Seguidores de João de Deus fazem fila para atendimento em Abadiânia

12 de dezembro de 2018 696

Abadiânia (GO) amanheceu na expectativa para o primeiro dia de atendimento de João de Deus após estourar o escândalo sexual em torno do nome do médium, acusado de abusar mulheres durante tratamentos espirituais na Casa Dom Inácio de Loyola, onde atende pacientes há 44 anos. O dia ainda não havia clareado nesta quarta-feira (12/12) e dezenas de pessoas já formavam uma fila à espera do líder. O movimento, entretanto, é bem menor do que de costume.

Por volta das 7h, o clima era calmo e silencioso. O grupo se reuniu para uma corrente de orações, como sempre ocorre. “O movimento está normal para a época. Daqui a pouco o atendimento começa e tem hora para terminar”, relatou um voluntário. Ônibus de turismo param no estacionamento e fiéis descem e engrossam a fila. Segundo funcionários do centro, João de Deus — que não apareceu desde a primeira denúncia no sábado (8) — ainda não havia chegado

Em meio às mais de 450 denúncias de assédio, a assessoria de João confirmou que ele fará os trabalhos normalmente nesta quarta e pelos próximos dois dias, das 8h às 14h.

Dois fiéis de São Paulo já tinham viagem marcada para um segundo atendimento com o médium antes do escândalo. Embora acreditem que as acusações possam ser verdadeiras, preferiram manter a vinda. “Os casos precisam ser apurados”, dizem. Orientados por um guia, pegaram a senha e aguardam atendimento ainda nesta manhã.

“O que me move é a energia do lugar”, disse um deles, que trabalha na área de marketing na capital paulista. Outro observa que o movimento é muito menor em comparação a última visita, feita há cerca de 45 dias. “Não tem nem 10% das pessoas. Quando viemos, o lado de fora e a rua ficavam cheios de pessoas vestindo branco”, comentou. Ambos pediram para não serem identificados.

O líder espiritual, de 76 anos, não é visto desde que o programa Conversa com Bial tornou público o relato de várias vítimas, entre brasileiras e estrangeiras. Com o paradeiro desconhecido, as graves acusações contra o médium levam preocupação a uma cidade inteira, que sobrevive em virtude do trabalho de cura oferecido pelo “cirurgião espiritual” na Casa de Dom Inácio. O município acompanha o caso apreensivo e teme que as denúncias impactem o comércio e gerem desemprego.

Dezenas de empresas do ramo de hotelaria, alimentação, joalheria e artesanato se ergueram em virtude do movimento de turistas que procuram o centro espírita de João de Deus.

Denúncias aumentam
O número de mulheres que dizem ter sido abusadas sexualmente por João de Deus ultrapassou 450 relatos. Um dia após o Ministério Público de Goiás (MPGO) criar uma força-tarefa para reunir os depoimentos, 206 vítimas contatam o que teriam sofrido nas mãos do líder espiritual.

Dos 206 relatos recebidos pela força-tarefa em Goiás até o momento, 156 foram feitos por meio do canal exclusivo criado para receber os depoimentos, o e-mail denuncias@mpgo.mp.br. Outras 252 pessoas denunciaram o médium para o Ministério Público de São Paulo (MPSP). Ainda não houve comunicação oficial entre os órgãos nos dois estados e pode existir duplicidade de casos.

De acordo com o balanço divulgado pelo MPGO no fim da tarde de terça-feira (11), duas das mulheres são estrangeiras: uma vive nos Estados Unidos e a outra, na Suíça.

Além das estrangeiras, as vítimas se identificaram como moradoras de Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que fez dois atendimentos nesta terça (11).

Todas as possíveis vítimas estão sendo orientadas a procurar o Ministério Público de seu estado, que ficará responsável pela coleta das provas. Em seguida, essas informações serão enviadas para a força-tarefa do MPGO, que conta com cinco promotores de Justiça e duas psicólogas.

Além do endereço de e-mail, as denúncias podem ser feitas pelos telefones (62) 3243-8051 e (62) 3243-8052 ou presencialmente.

Investigações seguem em São Paulo
O Ministério Público de São Paulo também criou uma força-tarefa, com seis promotores e uma equipe de apoio para apurar denúncias de abusos sexuais contra o médium.

Os depoimentos começaram a ser colhidos na terça (11). Três mulheres serão ouvidas por dia até sexta-feira (14). O órgão entrará em recesso, e as oitivas retornarão em 7 de janeiro. Foram recebidos pelo MPSP, apenas na segunda (10), 12 relatos por e-mail e 40 via redes sociais, em São Paulo. Todas as vítimas serão ouvidas em sigilo, suas identidades não serão divulgadas.

O escândalo veio à tona no programa Conversa com Bial veiculado na madrugada de sábado (8). Confira relatos:

 

As promotoras reforçam que as mulheres não devem se intimidar por temerem falta de punição. “Pela lei, a palavra da vítima é prova, é reconhecida como meio de prova e tem especial relevância nos crimes de natureza sexual. Pode levar a uma condenação”, disse a promotora de Justiça do Núcleo de Gênero do Ministério Público paulista, Valéria Scarance. “Você percebe que é uma narrativa com verdade e sede de justiça”, acrescentou a promotora Maria Gabriela Prado.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também vai receber denúncias de vítimas de crimes sexuais supostamente praticados pelo médium João de Deus. Os registros poderão ser feitos pessoalmente na sede da instituição, no Eixo Monumental, ou por meio da ouvidoria, que fará o encaminhamento ao MPGO.

Quem é João de Deus?
João Teixeira de Faria nasceu em Cachoeira de Goiás, em junho 1942. O filho de alfaiate conta em entrevistas que seus dons começaram a aparecer a partir dos 9 anos. Apadrinhado por Chico Xavier, serviu de médium para cura espiritual pela primeira vez aos 16 anos.

Ele frequentou a escola apenas até o segundo ano do ensino fundamental, e diz não saber ler nem escrever. Também trabalhou brevemente como aprendiz de alfaiate, minerador e ceramista. Vive em Anápolis, a 40 quilômetros de Abadiânia.

Depois de passar por diversas cidades, em 1976 decidiu se fixar em Abadiânia, fundando a Casa Dom Inácio de Loyola, onde estima receber cerca de 5 mil pessoas por semana, atendidas, segundo ele, por um dos 30 médicos incorporados. “Quem cura é Deus”, costuma repetir o bordão sempre que lhe é atribuída a recuperação de algum paciente.