Religião e Ciência

13 de dezembro de 2018 623

Muito oportuno o artigo do renomado médico Drauzio Varella "Criacionismo outra vez: questionar veracidade da teoria da origem das espécies, desculpem, é ignorância"(Folha, 9/12). A preocupação está na recente polêmica da "Escola sem Partido", um projeto de lei da mordaça que proibiria, por exemplo, ao professor discutir em salas de aula a oposição entre o criacionismo, pregado pelas várias religiões, e a doutrina evolucionista, sustentada pela ciência cósmica e biológica. A obra de Charles Darwin "A origem das espécies" (1859) é inquestionável, sendo-se tornado um marco na cultura mundial por demonstrar que nada se cria do nada, mas tudo se transforma pelo mecanismo da seleção natural. Não há sentido possível fora da luz da evolução. Apenas gente ignorante ou de má fé, confirmando a opinião de Varella, pode continuar duvidando que o gênero humano descende de primatas. A alma  (espírito ou mente), inseparável do corpo, não nasce já pronta, inserida no organismo humano por alguma divindade, mas se forma aos poucos pela evolução dos neurônios, as células cerebrais, desde a fecundação até à morte. Meu espírito de agora é diferente, bem mais evoluído de quando era bebezinho.

            Enquanto a Ciência progride pelo raciocínio lógico, a verdade histórica, a observação e experimentação, sempre disposta a se auto-corrigir de acordo com novas descobertas (Einstein melhorou Copérnico, que contestou Ptolomeu), a religião fica parada no tempo, acreditando em dogmas de fé, doutrinas consideradas inquestionáveis por suposta inspiração divina.  Moisés (séc. XVI a.C), Buda (séc. VI a.C), Jesus  Cristo (início da nossa era) e Maomé (séc.VI d.C), fundadores das quatro maiores religiões do nosso planeta (Judaísmo, Budismo, Cristianismo e Islamismo), são tidos como Profetas, enviados de Deus para doutrinar a humanidade. Mas, se há um único Deus e os ensinamentos são diferentes no tempo e no espaço, onde e com quem estaria a verdade?

            Entretanto, não há aglomeração humana no mundo, das tribos indígenas a nações altamente civilizadas, que não cultue alguma forma de religião. Na verdade, não existe um Deus que cria os homens, mas são estes que criam deuses a sua imagem e semelhança. E isso porque a vida real não nos satisfaz. Não nos conformando com o sofrimento e a morte, inventamos a existência de um outro mundo, espiritual e eterno. A Religião está longe da Ciência, mas muito perto da Arte, que opera pela imaginação ou fantasia em todas sua formas: literatura, teatro, cinema, artes plásticas. Aliás, é muito difícil separar a religião da arte, pois ambas são ficção e uma não vive sem a outra. Não teríamos os poemas homéricos (Ilíada e Odisséia) sem a mitologia greco-romana, nem a Divina Comédia (imaginação poética do Inferno, Purgatório e Paraíso) de Dante Alighieri sem a cosmovisão do Catolicismo medieval, nem a Cúpula de São Pedro, a Capela Sistina e inumeráveis outras obras de arquitetura, escultura e pintura inspiradas nas religiões de vários países.

            Além da cultura artístico-religiosa, a fé na existência de um mundo sobrenatural povoado por santos milagrosos propicia aos crentes um conforte espiritual, uma espécie de auto-ajuda coletiva para superar as angústias da vida terrena, enquanto esperam a bem aventurada eternidade após morte. A participação em ritos religiosos (missas, cultos, festas) cria um ambiente de confraternização entre os fiéis que faz muito bem à alma. O que não pode acontecer é o fanatismo, achando que sua religião é a certa e a de outros mentirosa, provocando ódios e guerras. Precisamos educar nossas crianças para a busca da verdade existencial, longe de qualquer ideologia ilusória e hipócrita.

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Salvatore D' Onofrio 
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP 
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
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