demétrio magnoli
GLEISI, FALEMOS SOBRE ARIANA
Na posse de Nicolás Maduro para um segundo mandato, compareceram apenas os líderes de Cuba, da Nicarágua, da Bolívia, de El Salvador e de micro-Estados caribenhos.
Mas Gleisi Hoffmann esteve em Caracas para prestarsolidariedade ao povo venezuelano, na senha ritual petista que significa, de fato, solidariedade à ditadura chavista.
A presidente do PT não se encontrou com Ariana Granadillo (foto acima), sobre a qual possivelmente nada sabe. Sugiro-lhe uma rápida pesquisa no site do Foro Penal, organização independente venezuelana dedicada à defesa dos presos e perseguidos políticos no país. A história da jovem talvez propicie-lhe uma revisão de consciência.
Ariana tem 21 anos, estuda medicina e mora com um parente em Caracas, onde faz residência num hospital. Para seu azar, o parente é um oficial militar investigado sob a acusação de conspiração.
No último ano, ela foi presa três vezes, em fevereiro, maio e junho, sem qualquer ordem judicial. Na primeira, olhos vendados, sofreu maus-tratos durante dois dias, em interrogatórios nos quais indagavam-lhe sobre o paradeiro do proprietário da casa.
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Gleisi na posse, dando munição aos propagandistas do Bolsonaro |
Na segunda, foi detida com seus pais, no estado de Miranda, e permaneceu incomunicável por uma semana. Submetida a tortura, inclusive asfixia temporária, reiterou que não tinha notícia do parente militar e acabou liberada sem acusações.
Finalmente, na última, policiais a retiraram de um ônibus e ela foi encaminhada a uma prisão, até ser transferida para o quartel-general da inteligência militar em Caracas.
Em julho, perante um tribunal militar, ouviu a acusação de instigação de rebelião, por manter conversas telefônicas com a mulher do oficial militar e ter recebido dinheiro dela.
Em julho, perante um tribunal militar, ouviu a acusação de instigação de rebelião, por manter conversas telefônicas com a mulher do oficial militar e ter recebido dinheiro dela.
Ariana confirmou os contatos com a dona da casa onde reside e explicou que só recebeu valores relativos aos gastos com os cachorros do casal. Liberada condicionalmente, ela não pode deixar o país e deve apresentar-se a um oficial de justiça a cada oito dias.
A estudante não é caso isolado. Num relatório publicado há pouco, o Foro Penal e a Human Rights Watch analisaram os casos de 32 familiares de militares acusados de rebelião que experimentaram prisões arbitrárias e sevícias.
As vítimas sofrem espancamentos, choques elétricos, asfixia, cortes de lâminas nos pés e privação de alimentos.
Ariana também sofreu afogamento simulado |
Os abusos policiais registrados no relatório seguem um padrão geral estabelecido desde 2014, amplamente descrito em investigações conduzidas por representantes de direitos humanos da ONU, da OEA e de organizações da sociedade civil.
A ditadura de esquerda opera com métodos similares aos da ditadura militar brasileira celebrada por Jair Bolsonaro. Até mesmo o termo revolução aproxima os dois regimes, com a exclusiva diferença do sinal ideológico que se atribui a ele.
“Deixar de ir seria covardia, concessão à direita”, justificou-se Gleisi num tuíte, empregando uma palavra que deveria evitar. Os covardes são os chefes do regime cívico-militar que prende e tortura.
Covardia é festejar com eles, ignorando suas vítimas. A covardia estende-se aos dirigentes do PT, inclusive Fernando Haddad, que deram amparo à viagem, e à miríade de figuras públicas de esquerda ligados ao partido, cujo silêncio pétreo acompanhou o périplo de Gleisi. O triste espetáculo desenrola um fio lógico de longo alcance.
Gleisi, falemos sobre Ariana. Quando aplaude Maduro, você aplaude Médici e Geisel. Quando ignora as torturas deles, ignora retrospectivamente também as nossas.
Quando presta solidariedade à ditadura de lá, perde o direito moral de denunciar a ditadura de cá. No lugar de Bolsonaro, eu pagaria sua passagem a Caracas.
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(por Demétrio Magnoli)