vinícius torre filho
ÓDIO E REVOLTAS,
ÓDIO E REVOLTAS,
COLEÇÃO DE VERÃO
Depois de dois meses de relativa calmaria deprimida ou de exaustão amarga, o país volta ao transe de ódio.
Como se fosse possível, o establishment se desmoraliza ainda mais, dando novos motivos à revolta que levou Jair Bolsonaro ao Planalto.
A política doente do Brasil produz dejetos tais como a ideia de que bastam um cabo e um soldado para fechar o Supremo.
Essa obra do novo pensamento político nacional, de autoria de um Bolsonaro júnior, serviu de mote para os protestos contra a liminar de Marco Aurélio Mello. O ministro do Supremo mandara soltar presos condenados em segunda instância, o que em tese beneficiaria Lula da Silva.
Na tarde desta quarta-feira (19), a expressão (hashtag) #umcaboeumsoldado estava entre as mais populares do Twitter. Não vem ao caso que a liminar logo viesse a cair. O vexame continuava de pé.
O lixo tóxico escorria pelas redes insociáveis e desaguava no valão da democracia brasileira, outra vez em época de cheia graças também aos Poderes da República.
Não se trata aqui apenas dessa decisão à matroca de libertar talvez uns 169 mil presidiários de periculosidade incerta e não sabida, um resultado possível da liminar aureliana, afora a baderna jurídica.
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A roubança continua, inclusive no entorno dos recém-eleitos |
Além disso, há muitas notícias de que a roubança continua, inclusive no entorno dos recém-eleitos.
O Congresso explode pautas-bomba, que em geral passam despercebidas pelo povo comum, que não entende de contas públicas, mas estoura de raiva e desprezo por graças como o reajuste dos ministros do Supremo e de altos servidores.
Essa autodestruição contínua, alienada ou mesmo lunática legitima tanto o protesto quanto os instintos mais primitivos de quem votou contra o establishment, contra as instituições apodrecidas, contra o sistema e tudo isso aí. Talvez agregue mais revoltosos.
Para piorar, motivos outros de revolta não vão faltar em 2019. A julgar pelos planos econômicos de Bolsonaro, haverá reformas para todos os desgostos.
Virá uma impopular reforma da Previdência (se não vier, a economia permanecerá estagnada ou regredirá, o que também será revoltante). Não haverá aumento de carga tributária, mas pode bem ser que pequenos e médios empresários e a classe média altíssima paguem mais impostos.
Haverá medidas contra servidores, o Sistema S, empresas industriais, estatais, leis trabalhistas, talvez contra o salário mínimo. Etc.
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"Sociedades permanecem estranhamente bestificadas" |
Noutras situações, diversionismos servem de atenuante de tormentos: caças a degenerados e impuros em geral, bruxas, corruptos, imorais, abortistas, intelectuais, globalistas ou estrangeiros. Ou, talvez, parte significativa da população se beneficie do regime, o bastante para oprimir e manter sob controle a parcela mais esfolada.
Temos riscos espalhados de revolta adiante, muita raiva justa ou doida a ser satisfeita, o que reforça a conversa do presidente eleito.
O establishment não se importa de causar cada vez mais repulsa. Os planos de mudança econômica causarão alguma dor; as reformas conservadoras de Bolsonaro serão socialmente divisivas.
Não, não é previsão de tumulto, ressalte-se. Um bom resultado econômico pode até dopar a fúria. O problema é que, faz mais de cinco anos, o país se dedica a multiplicar riscos de desastre. (por Vinícius Torres Freire)