Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que jogou hoje

28 de dezembro de 2020 1089
Vou iniciar este texto com um provérbio iorubá que foi divulgado no filme/documentário Amarelo do Emicida. Farei isso porque a frase representa bem o que vivi durante o ano de 2020 e assim sendo, quero escrever a última coluna do ano fazendo uma retrospectiva, mas como nossas experiências são coletivas, não diz respeito só a mim. 
 
O ano de 2020 começou bombando. Janeiro e fevereiro eu passei na estrada viajando para inúmeras cidades do RN ministrando formações nas semanas pedagógicas dos municípios. Foi incrível levar um assunto tão caro para mim, tão longe.  Engatei a marcha e achei que não pararia, mas fui surpreendida da pior forma. Minha filha caminhava para a sua terceira cirurgia. Uma semana depois ela disse: “quero ir para a escola”. O motor ainda estava ligado.  A gente seguiu e quando engrenou, vem a notícia de uma pandemia mundial. Pessoas pretas e de periferia foram as mais atingidas, óbvio. Colisão! 
 
Decidi não falar sobre isso. Era pouco papel higiénico para muita bunda. Olhando pela janela, lives. Parecia ser a opção do momento. Sentei na estrada e observei os veículos passarem. Foi uma passeata de aprendizado. Conheci intelectuais que nem imaginava que existisse e aprendi virtualmente mais do que aprendi presencialmente a vida inteira. Aza Njeri, Renato Noguera, Nini Kemba Nayo, Escolinha Maria Felipa, e Vilma Piedade. Veículo adaptado, rumemos ao sul. No percurso, um quilombo. O Quilombo da Ciência. Fui acolhida por Jamille Marques e Ricardo Nagô. Hotep, família. 
 
Pausa para o choro. Hora de fazer uma manutenção geral. Mãe de deficiente auditiva sofrendo com aulas online no 6º ano foi o limite. Mas como desistir nunca foi uma opção, seguimos. 
 
Encontro na escrita uma estratégia para expurgar e curar todas as dores. Aquela que carinhosamente chamo de madrinha, Ana Cláudia Trigueiro, me diz: “escreva contos”. E lá fui eu. Como tudo que fazemos é rodeado pelo medo, segurei o livro o máximo que pude antes que saísse para publicação pela editora CJA, enquanto fazia cursos de escrita com a incrível Hildália Fernandes, aquela que mais tarde veio a se tornar uma amiga zelosa. Uma me incentivou a começar e a outra a prosseguir. Geni Guimarães bateu o martelo! Livro no forno.
 
Algumas ruas e vielas depois, cruzei com o amor em uma esquina da vida. Amor preto. União próspera. Gerou um quilombo. Somos três agora. Uma produtora (re) nasceu e eu me permiti receber carinho. 
 
Enquanto escrevo faltam quatro dias para a chegada de 2021. Estamos agora em alto mar, rumo à África. 
 
Nunca foi sorte. Sempre foi Exu!