Em carta a Lula, montadoras criticam incentivos a empresas chinesas
Os presidentes de algumas das principais montadoras que atuam no Brasil encaminharam, nesta terça-feira (29/7), uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na qual criticam a possibilidade de redução de impostos para a importação de kits semiprontos para a produção de veículos elétricos e híbridos no país.
A medida pode ser sacramentada nesta semana em uma reunião do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior. Segundo as montadoras, caso ela seja aprovada, há risco de demissões em massa no setor.
Entenda
A eventual diminuição de impostos pode ser adotada após um pedido da BYD, fabricante chinesa de veículos elétricos e híbridos que vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil. A companhia tem uma fábrica na cidade de Camaçari, na Bahia.
A BYD pediu ao governo federal que estudasse a possibilidade de redução das tarifas de importação para veículos eletrificados desmontados nas modalidades SKD (semimontados) e CKD (completamente desmontados).
Atualmente, as tarifas aplicadas são de 18% para veículos elétricos e de 20% para híbridos. As taxas cairiam para 5% e 10%, respectivamente.
“Ao contrário do que querem fazer crer, a importação de conjuntos de partes e peças não será uma etapa de transição para um novo modelo de industrialização, mas representará um padrão operacional que tenderá a se consolidar e prevalecer, reduzindo a abrangência do processo produtivo nacional e, consequentemente, o valor agregado e o nível de geração de empregos”, afirmam as montadoras na carta a Lula.
O documento é assinado pelos presidentes da Volkswagen no Brasil, Ciro Possobom; da Toyota, Evandro Maggio; da Stellantis, Emanuele Cappellano; e da General Motors do Brasil, Santiago Chamorro.
Até o momento, o governo federal ainda não se manifestou sobre a carta.
Leia a íntegra da carta das montadoras a Lula:
“Excelentíssimo Senhor Presidente Lula,
Com nossos cumprimentos, vimos expor o teor de nossas preocupações quanto ao futuro da indústria automotiva brasileira.
O setor tem sido, desde os anos 1950, um importante vetor de industrialização e de crescimento econômico para o Brasil. Nasceu de uma visão desenvolvimentista, impulsionando com sua expansão um dos maiores e mais diversificados parques mundiais de fabricantes de veículos e autopeças.
A cadeia produtiva automotiva exibe números consistentes, que atestam o acerto da estratégia de localização da produção de veículos e seus componentes. São 26 fabricantes de veículos instalados no país e 508 produtores de autopeças, que formam uma cadeia produtiva responsável por 2,5% do PIB brasileiro, 20% do PIB industrial de transformação, pela geração de 1,3 milhão de empregos e por um faturamento anual de US$ 74,7 bilhões.
Nossa indústria planeja investir R$ 180 bilhões nos próximos anos, sendo R$ 130 bilhões no desenvolvimento e produção de veículos e outros R$ 50 bilhões no parque de autopeças.
Essa sólida cadeia industrial consolidou-se ao longo de mais de 70 anos de presença no Brasil. Sucessivas ondas de investimentos no decorrer desse período histórico enraizaram profundamente a capacidade industrial, tecnológica e de desenvolvimento de produtos e engenharia de nosso setor, impactando positivamente a economia e a sociedade.
A industrialização urbanizou o pais, expandiu o mercado de trabalho, impulsionou a educação e a ciência, somou desenvolvimento econômico ao social. Além de resultar em uma base industrial como poucas no mundo, propiciou a consolidação da engenharia nacional.
É nosso dever alertar, Senhor Presidente, que esse ciclo virtuoso de fortalecimento da indústria nacional está sendo colocado em risco e sofrerá forte abato se for aprovado o incentivo à importação de veículos desmontados para serem acabados no país.
Ao contrário do que querem fazer crer, a importação de conjuntos de partes e peças não será uma etapa de transição para um novo modelo de industrialização, mas representará um padrão operacional que tenderá a se consolidar e prevalecer, reduzindo a abrangência do processo produtivo nacional e, consequentemente, o valor agregado e o nível de geração de empregos.
Por uma questão de isonomia e busca de competitividade, essa prática deletéria pode disseminar-se em toda a indústria, afetando diretamente a demanda de autopeças e de mão de obra. Seria uma forte involução, que em nada contribuiria para o nível tecnológico de nossa indústria, para a inovação ou para a engenharia nacional. Representaria, na verdade, um legado de desemprego, desequilíbrio da balança comercial e dependência tecnológica.
Trazemos nossos argumentos à sua análise, Senhor Presidente, na expectativa de que seu governo assegure igualdade de condições na competição pelo mercado, vetando privilégios para a importação de veículos desmontados ou produzidos no exterior com subsídios. Confiamos na sensibilidade de Vossa Excelência para preservar a isonomia concorrencial e proteger a indústria que produz no Brasil.
Nossos investimentos em curso resultarão em novas plantas industriais, em mais empregos, valor agregado e em uma nova geração de veículos cada vez mais sustentáveis. Reafirmamos, desse modo concreto, nosso compromisso com o fortalecimento da indústria nacional e com o desenvolvimento econômico e social.”