Ateu cristão

Respondendo ao leitor do Diário, Carlos Roberto Nogueira (22/4 "Jesus"), esclareço que no meu artigo "Opiniões" não coloquei em dúvida a existência da figura histórica de Jesus Cristo, mas apenas sua origem divina. Em livros e artigos escritos por mim sempre considerei o Nazareno como um gênio da humanidade pois, após anos de meditação no deserto, vivendo na comunidade judaica dos essênios, resolveu revelar aos palestinos seu pensamento revolucionário, substituindo a religião judaica do Velho Testamento, fundamentada no ódio e em guerras entre hebreus e árabes, pelo amor entre todos os povos. Como o filósofo grego Sócrates, três séculos antes, nos ensinara a pensar com nossa própria cabeça, assim Jesus Cristo exortou os humanos a se amarem uns aos outros, não importando etnia ou diferença social.
Ele nunca disse ser o enviado de Deus, a segunda pessoa de uma Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), encarnado na Virgem Maria para salvar a humanidade. Jesus não nos deixou escrito algum, nem fundou uma igreja. Os ensinamentos que se encontram nos vários evangelhos, canônicos ou apócrifos, são fruto de uma tradição oral, redigida por discípulos e simpatizantes da figura carismática, decênios depois de sua morte. Os principais dogmas da fé cristã foram impostos pela maioria dos bispos reunidos no Concílio de Nicéia, em 325 d.C, sob a égide do imperador romano Constantino, para esconjurar o perigo do dissidente padre Ário, que considerava Jesus Cristo um ser humano, embora excelso. O chefe da primeira forma de heresia na igreja católica, o arianismo, acabou sendo excomungado. Na época da Renascença, em 1600, o filósofo italiano Giordano Bruno foi queimado vivo numa praça de Roma por contestar o dogma da Trindade e o culto das imagens de santos. A prepotência, como sempre, acaba esmagando a liberdade de pensamento!
Sugiro ao meu crítico a leitura do livro "O espírito do ateísmo", de André Comte-Sponville, onde o autor francês, definindo-se um "ateu cristão", demonstra que é possível ser um bom cristão sem acreditar numa divindade. Basta seguir a mensagem de amor que Jesus nos deixou, independentemente da crença no sobrenatural. A religião, como a arte, existe porque a realidade não nos basta. Ninguém se conforma com injustiça, sofrimento, morte. Por querermos viver felizes e para sempre sonhamos com a existência de um mundo espiritual separado do material, da alma imortal fora do corpo perecível. Felizmente a ciência, muito mais do que qualquer religião, vem continuamente ao nosso encontro nos ajudando a viver melhor. O sonho da eternidade está evidenciado pelas descobertas da física quântica, que nos demonstram estarem todos os seres amalgamados por ondas gravitacionais. Não existe tempo separado do espaço, nem o vazio. Ninguém nasce do nada e ninguém morre de tudo, apenas nos transformamos, continuando a rodar vertiginosamente na imensidão do Universo.
Salvatore D' Onofrio
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
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