A padaria dos papas encerra fornadas

28 de julho de 2023 135

Padaria Arrigoni, famosa por suas encomendas especiais aos papas ao longo de quase um século, fecha suas portas para sempre. Propriedade de Angelo Arrigoni, de 79 anos, a padaria há três gerações servia as Santidades que ocupavam o Vaticano. Fundada em 1930 por seu avô e seu pai, a Arrigoni logo se tornou responsável por fornecer o pão favorito de oito papas consecutivos.

Localizada a menos de duas quadras de uma das entradas do Vaticano, na rua Borgo Pio, Arrigoni viu o bairro passar por uma valorização extrema, processo que lotou as cercanias de restaurantes sofisticadas e hotéis estrelados. Foi impossível para o padeiro arcar com os impostos devidos pelo estabelecimento e enfrentar a concorrência de tantos bares e cantinas.

A história começa com Pio XI, papa de 1922 a 1939, cujo temor de ser envenenado levou a uma estratégia de segurança singular. Angelo Arrigoni, o pai do atual proprietário, era o guardião de uma chave que abria um cofre do tamanho de uma maleta protátil, com pão vienense, o favorito do papa Pio XI. Esse cofre era entregue a um colaborador extremamente confiável, que o levava até as freiras encarregadas do serviço papal, que detinham a outra chave.

Em uma missão emocionante e marcante durante a infância de Angelo Arrigoni, ele foi encarregado de levar pessoalmente o pão ao papa João XXIII (de 1958 a 1963).

(Andreas Solaro)

1930
é a data de inauguração da padaria


8
são os papas servidos por 93 anos

150 m
é a distância da panificadora ao Vaticano

(Andreas Solaro)

A lembrança daquele momento perdurou, com o papa olhando para ele e o chamando para um conversa. “Lembro-me daquele longo corredor. O papa passava e olhava para a porta. Eu estava muito envergonhado. E a freira me disse: ‘Vamos, o papa quer falar com você’. Fiquei emocionado, respondi a tudo, mas não me lembro das palavras”, conta o padeiro, emocionado.

Os anos se passaram, e a Padaria Arrigoni continuou a cumprir seu papel de fornecedora de pão para os papas sucessores.

João Paulo II, o pontífice mais longevo (de 1978 a 2005) entre os “fregueses especiais” de Arrigoni e polonês de origem, quis receber o mesmo pão que os trabalhadores comiam em sua terra natal, estabelecendo uma conexão especial com a padaria. “Durante todo o seu longo pontificado, enviamos diariamente a ele cinco rosetas, o pão folhado simples, e cinco ‘ciriole’, que é um clássico pão romano”, explica Arrigoni.

A relação se fortaleceu com o futuro papa Bento XVI, o cardeal Joseph Ratzinger, que já frequentava a padaria mesmo antes de sua ascensão ao trono papal. À época, ele ia sozinho até a padaria e levava alguns pães, quase sempre integrais, principalmente nos meses de inverno, quando visitava o estabelecimento duas ou três vezes por semana.

Depois do conclave de 2005, que transformou Ratzinger em Bento XVI, Arrigoni procurou os funcionários próximos ao novo papa para manter a tradição de levar ao pontífice o pão diário. E ele conta, rindo, o que aconteceu: “A freira foi perguntar e quando voltou estava envergonhada. ‘Não, desculpe, mas o Santo Padre já tem seu próprio padeiro em Borgo Pio’. Eu respondi: ‘Irmã, eu sou o padeiro do papa’, dando risada”.

Além de fornecer o pão durante o Papado de Bento XVI, Arrigoni continuou a servi-lo em sua condição de “papa emérito”, depois da ascensão de Francisco, em 2013.

Contudo, algumas mudanças ocorreram. O papa argentino trouxe uma abordagem mais simples e humilde. Angelo Arrigoni, dedicado como sempre, descobriu o pão mais comum na Argentina. “Cheguei a experimentar as receitas, mas a freira me informou que o Santo Padre não queria um pão feito especificamente para ele. Pediu que enviasse o pão que sobrasse.’”

Receita caseira: Angelo Arrigoni exibe pão no balcão de sua panificadora (Crédito:Andreas Solaro)

A tradição de entregar pães aos papas chegou ao fim no dia 7 de julho, embora tenha atendido um ou outro freguês mesmo depois do fechamento. Por muito tempo, a Padaria Arrigoni desempenhou um papel singular na vida do Vaticano e trouxe uma característica especial à rua Borgo Pio, com o aroma do pão artesanal invadindo a calçada em várias fornadas ao longo do dia.

Em mais um dos muitos episódios recentes da transformação do centro romano devido à especulação imobiliária e aumento do turismo, é um capítulo que se encerra nas histórias contadas sobre o Vaticano.

Fonte: CARLOS EDUARDO FRAGA