VALQUÍRIA GESQUI MALAGOLI - PERSPECTIVA E NOSTALGIA

11 de outubro de 2019 311

“Não serei o poeta de um mundo caduco./Também não cantarei o mundo futuro./Estou preso à vida e olho meus companheiros/Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças./Entre eles, considere a enorme realidade./O presente é tão grande, não nos afastemos./Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas./Não serei o cantor de uma mulher, de uma história./Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela./Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida./Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins./O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,/a vida presente.”.

            Quando eu tinha uns quinze anos, achava Drummond chato.

            Achava chatíssimo esse poema “Mãos dadas” – dado a mim de mão beijada, ao ilustrar a capa de um dos meus cadernos espirais. Aliás, guardo-o até hoje, talvez a única relíquia daqueles tempos. Não pelos versos; apenas porque foi o primeiro comprado. Não recebido de doação pra gente arrancar as folhas usadas e se esbaldar nas imaculadas.

Quando eu tinha uns vinte anos, meus pais, pelo menos sob minha perspectiva à época, eram chatos. Ótimos pais. Mas, chatos.

            Hoje a chata sou eu.

            Hoje, se eu ousar contar aos meus filhos qualquer das minhas aventuras infantis, logo um exclama que “lá vem história triste da infância; af que chaaato!”.

            Fazer o que, se somente quando chamo de “amor” o que de “chatice” nominam é que percebo o quão chato isso é?!

            Para os meus filhos, minhas considerações são chatérrimas!

            Não posso também, por outro lado, chatear meus pais, puxando com eles assuntos mais consistentes do que aqueles que lhes sirvam de entretenimento, afinal, tanto já fizeram por nós, seus filhos (quando os julgávamos chatos). Chegou a hora de descansarem de preocupações e afins, né.

            Para o espelho, então... nem pensar em olhar ou esperar o que quer que o cara me queira dizer. Ô, cara chato!!!

            Confortável mesmo seria olhar sempre pelo ângulo que nos propicia o julgamento. De preferência o julgamento fácil, líquido e certo.

            Pena não dar pra ser agradável o tempo todo.

            Pois tal não é a vida. Essa é a “realidade” dos filmes, dos livros. Não a de todos os filmes e livros; apenas a dos que nos inspiram querer imitar.

 

 

 

 

Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br