Um estranho pedido para Toffoli

26 de junho de 2025 54

A estratégia traçada pela Polícia Federal desde o início das investigações no INSS consistiu em dividir a apuração em vários inquéritos, em vários estados. Havia, por trás disso, dois objetivos: dar clareza ao que estava sendo investigado em cada frente (se eram crimes cometidos pela cúpula do INSS, por exemplo, ou por associações locais) e acelerar a coleta de provas, já que dessa forma o trabalho pode ser dividido em muitas equipes. Quando a PF deflagrou a Operação Sem Desconto, em 23 de abril, já havia investigações avançadas em Brasília, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo e Ceará, cada qual com características próprias.

Por isso, foi com grande surpresa que os investigadores receberam, na terça-feira, dia 24 de junho, a notícia de que um delegado havia acionado o STF pedindo que todos os inquéritos relacionados ao INSS fossem unificados sob a relatoria do ministro Dias Toffoli. O delegado pediu também que as investigações fossem todas anexadas a um outro inquérito, conduzido por ele mesmo, que investiga um assunto totalmente diverso: as conhecidas acusações do advogado Rodrigo Tacla Duran contra o senador Sergio Moro (União-PR) e o ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR), por fatos ocorridos na época da operação Lava Jato.

O pedido causou surpresa não apenas por essas incongruências, mas também porque o delegado, que se chama Rafael Dantas, sequer participa dos inquéritos sobre o INSS. Ouvidos pela piauí sob a condição de anonimato, dois delegados que atuam no caso disseram que não foram consultados por Dantas. Ficaram sabendo do pedido por meio da imprensa.

No ofício enviado a Toffoli, Dantas estabelece um raciocínio tortuoso para conectar as investigações do INSS ao inquérito de Tacla Duran, que já tramitava no STF pelo menos um ano antes de virem à tona as fraudes contra os aposentados (coincidentemente, foi Toffoli quem escolheu Dantas para conduzir esse inquérito anterior). O delegado sugere que, na época em que era ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro ajudou a criar a estrutura normativa que, mais tarde, permitiria a expansão das fraudes no INSS. Isso aconteceu, segundo ele, por meio da Medida Provisória 870/2019, publicada no primeiro dia do governo Bolsonaro. 

A MP deu ao Ministério da Justiça o poder de regular sindicatos e associações patronais e de trabalhadores – entidades que, tempos depois, desviaram bilhões de reais de aposentados e pensionistas. A medida, contudo, foi assinada por Onyx Lorenzoni (PP-RS), coordenador da equipe de transição que depois assumiu o cargo de ministro da Casa Civil. O delegado não explica se teve acesso a informações dando conta de que a MP, embora assinada por Lorenzoni, tenha sido arquitetada por Moro. Também não menciona que, tão logo a medida tramitou no Congresso, o Ministério da Justiça perdeu o poder de regular os sindicatos e associações patronais, função que foi transferida para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes. Moro ficou com essa atribuição por pouco mais de seis meses.

“Esse cenário de desregulamentação explica, ainda de maneira parcial e perfunctória, a estrutura à qual aposentados e pensionistas foram expostos e vitimados”, escreveu o delegado Rafael Dantas. Ele situa Moro na “gênese” do esquema criminoso – uma interpretação que não consta em nenhum dos inquéritos da PF até o momento (o marco inicial do esquema, para os investigadores, é 2019). “Frise-se que a hipótese criminal que se revela diz respeito à gênese da estrutura que foi conjecturada para acometer um massivo e espúrio desconto realizado para com aposentados e pensionistas do Regime Geral de Previdência Social”, continua Dantas. Até agora, nenhuma manifestação da PF, da Controladoria-Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) ou do próprio STF estabeleceu esse nexo causal.

O delegado também cita um depoimento prestado por Tacla Duran, que advogou pela Odebrecht na época da Lava Jato e se tornou um desafeto de Moro, de quem diz ter sofrido extorsão. Segundo Dantas, Tacla Duran relatou que dois aliados de Moro buscaram o Sindicato de Hotéis de São Paulo em novembro de 2018 para negociar apoio institucional e vender serviços do escritório de advocacia do então juiz. Esses dois aliados, de acordo com o delegado, são Fabio Bento Aguayo (atual assessor de gabinete de Moro no Senado) e Carlos Zucolotto Jr. (ex-sócio do escritório de advocacia de Rosangela Moro, deputada federal casada com o senador). Em troca de apoio, segundo Tacla Duran, Aguayo e Zucolotto ofereceram facilidades para liberar as contribuições associativas que proliferaram no INSS.

O ofício menciona ainda um “arquivo de áudio onde Sergio Martins, advogado do Sindicato de Hotéis de São Paulo, revela as negociatas propostas pelos emissários de Sergio Moro”. Rafael Dantas também diz que, segundo as informações apresentadas por Tacla Duran no inquérito, “Moro já procurava auferir vantagens indevidas mesmo antes de ser ministro da Justiça, mas em razão do cargo, o qual de fato ocupou”. Os fatos relatados por Tacla Duran aconteceram, em tese, quando Moro já atuava no gabinete de transição de Bolsonaro. (A existência do áudio já é conhecida desde 2023, quando o inquérito chegou ao STF.)

Fonte: Breno Pires e Alessandra Medina