Tudo ou nada?

Na controvérsia que tive com o Sr. Paulo Cristiano da Silva sobre Criacionismo e Evolucionismo, através do Diário da Região, deixei bem claro que não podemos confundir Religião com Ciência, pois são campos de conhecimento bem diferentes, para não dizer inconciliáveis. Mas ele, no seu último artigo "Nada surge do nada" (19/1/2019), insiste em misturar as duas posturas, causando confusão na cabeça dos leitores. Chega ao absurdos de dizer que há cientistas com "crenças ateístas", como se isso fosse possível, visto que o ateísmo, por definição, é a negação de qualquer crença religiosa. Ele afirma que "esses" cientistas são uns idiotas, pois sustentariam a contradição lógica da criação espontânea ou pela varinha mágica do Big Bang. Por acaso, há lógica na crença num Deus que teria criado bilhões de galáxias e trilhões de estrelas, se apenas o Sol era suficiente para aquecer a Terra? E por que demorou milênios para enviar seu Filho, Jesus Cristo, para salvar a humanidade do pecado original por Adão e Eva terem comido a maçã, a fruta do conhecimento do bem e do mal? E se o homem deveria ter ficado burro, ignorante, por que teria lhe dado o dom da inteligência? Por que excluir da bem-aventurança os que viveram antes da chegada de Cristo ou que não tiveram a sorte de serem evangelizados? As incoerências de gente religiosa são bem maiores do que os achados dos cientistas!
A famosa expressão latina "nihil ex nihilo" (nada vem do nada), orientou a cultura ocidental tradicional, pressupondo logicamente a existência de um Criador externo ao Universo. Mas esse conceito deve ser revisto face ao avanço das ciências, especialmente com o progresso da física quântica. Simplesmente porque os cientistas descobriram que o "nada" não é nada, mas "tudo" e o tempo não existe fora da eternidade. No Universo não há vazio, mas apenas o "vácuo" (o que não se vê). Entre uma pessoa e outra não há distância mas ondas gravitacionais, invisíveis a olho nu, que irmanam todos os seres. Já Antoine Lavoisier (1743-94), o pai da química moderna, expositor do princípio da conservação da matéria, tinha afirmado que "nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma". Ao fumar um cigarro, não se acaba com ele, mas apenas se transforma sua matéria em cinza e polens. Eu não vim ao mundo do nada, nem fui criado por alguma divindade. Sou apenas fruto de uma colisão ou circunstancia: nasci porque um espermatozóide de meu pai fecundou um óvulo de minha mãe. Minha alma (espírito ou mente) não foi colocada bela e pronta no meu corpo, mas se formou aos poucos (e ainda continuará evoluindo até à morte cerebral) pelo desenvolvimento dos neurônios, as células do meu cérebro.
Conforme a física quântica, todos os seres do cosmo, animados e inanimados, são compostos de "quanta", partículas subatômicas invisíveis, correlatas pela energia de ondas gravitacionais que harmonizam a totalidade deste Universo e de outros possíveis. O vazio só existe ao nível do parecer, sendo pura impressão, visto que nenhum elemento da natureza poderia ficar isolado no espaço ou no tempo. Solto no ar, iria para onde? Só essa atração cósmica pode explicar porque, mesmo rodando à velocidade da luz, os asteróides, seres animados e objetos não caem na imensidão do universo, podendo apenas colidir entre si, formando novas entidades. Distinções como finito e infinito, tempo e espaço, espírito e matéria, corpo e alma, não deixam de ser apenas concepções da nossa mente, não havendo nenhum substrato real ou lógico: quando teria começado o espaço e o tempo dentro da eternidade? Se conseguíssemos popularizar a consciência de que rodamos de cabeça para baixo a uma velocidade incrível, presos a um minúsculo planeta na imensidão do Universo, quem sabe, em lugar de continuar curtindo fanatismos ilusórios, poderíamos dar início a uma nova era civilizacional, fundamentada na busca da verdade existencial e no amor entre todos os povos.
Salvatore D' Onofrio
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
www.salvatoredonofrio.com.br
http://pt.wikisource.org/wiki/Autor:Salvatore_D%E2%80%99_Onofrio