TRISTEZA DO JECA

8 de janeiro de 2018 745

E mais um ano se iniciou. Janeiro já deu a cara a tapa e é hora de se iniciar os projetos sonhados, colocar em prática os votos que embalaram os dias finais de 2017. É o momento ideal para colocar à prova se as boas intenções para fazer desse um mundo melhor de fato se materializam no agir, no fazer.

            Como faço todos os anos, venho até o interior do estado de São Paulo para fazer as festas de Ano Novo com minha família. É a época em que eu e minhas irmãs nos reunimos com nossos pais e usufruímos de um tempo com as crianças, tios e amigos.

            Nesse ano, em específico, acabei optando por ficar um pouco mais do que o costume, até porque o tempo passa rápido demais e não há lugar para arrependimentos no tempo das perdas. Algumas coisas não podem esperar para serem vividas e eu não estou disposta a desperdiçar o que é mais caro para mim.

            Assim, foram dias muito felizes no que se refere aos reencontros. Acredito que todos tenhamos recarregado nossas energias e estejamos repletos daquilo que irá nos sustentar pela grande parte do ano, ao menos até que todos possamos estar juntos novamente. Aproveitamos, assim, para fazermos tudo o que nos foi capaz fazer juntos. Uma dessas atividades, sobretudo depois da comilança tradicional de fim de ano, foram as caminhadas. E foi aí que constatei algumas coisas que em muito me entristeceram.

            Como sabem todos aqueles que acompanham meus textos, o amor pelos animais se constitui uma parte maior daquilo que sou. Não digo, contudo, que são meu ponto fraco, mas sim meu ponto forte. Através deles eu me testo o tempo todo, colocando à prova se de fato sou capaz do que acredito ser.

            Logo nos primeiros dias em que cheguei à cidade de Lins, de onde agora escrevo e onde passei a maior parte da minha juventude, enquanto fazia uma caminhada, encontrei um filhotinho de gato em uma calçada. Dois dias depois achei mais um. Em ambos os casos, não hesitei em recolhê-los, até porque a probabilidade de morrerem atropelados correndo soltos pelas ruas era imensa.

            Sem ter onde colocá-los e após ouvir de várias pessoas que eles não eram problema meu, optei por deixá-los numa clínica veterinária, recebendo os devidos cuidados. Enquanto isso, encontrei dono para um deles e ambos seguirão comigo até São Paulo. Volto acompanhada de Bento e Benedito que são apenas uma pequena amostra do abandono que são vítimas tantos animais.

            Andando pelas ruas de Lins, vi tantos cães e gatos vagando a esmo pelas ruas, muitos dos quais machucados e esfomeados, que fico certa de que quem ajuda apenas faz enxugar gelo. Falta muita atitude nesse sentido. Falta quem ajude, quem se importe, mas também falta responsabilidade de donos e até do Poder Público. Nem de longe Lins é única nesse sentido. Essa, infelizmente, é a realidade na quase totalidade do país e ao escrever esse texto, registro que acredito que poderia se aplicar a muitas outras cidades.

            Não posso, contudo, falar sobre as cidades nas quais não vivo, ainda que por alguns dias no ano. Assim, preciso registrar aqui, até para não descumprir com meu papel de cidadã, que a visão que tive da cidade de Lins, dessa vez, muito deixou a desejar.

            Nunca usei e nunca vou usar meus textos com finalidade política, até porque esse não é meu viés, mas a omissão também não é artificio do qual eu lance mão. Não me cabe, assim, atribuir a culpa pelo estado da cidade à pessoa de Sicrano ou Beltrano, mas o fato é que a cidade está muito diferente do que estava há poucos anos.

            Basta uma rápida circulada pelas ruas, seja no centro ou seja nos bairros, para  constatar os inúmeros buracos, verdadeiras crateras para ser mais precisa, pelas ruas e calçadas. O mato segue crescendo por todo lado e muitos bueiros estão completamente obstruídos por lixo e entulho. Em outras palavras, a cidade está feia e escrever isso me entristece em demasia.

            É preciso, no entanto, que se registre que não haveria lixo pelas ruas se as pessoas não jogassem, se não tratassem a coisa pública com a total falta de respeito. Todos, sem exceção, tem sua dose, sua parcela de responsabilidade. Atirar pedras, tão somente, é tarefa confortável e até mesmo covarde.

            Acredito piamente que palavras sem ação nada significam, de nada valem. O que importa é o que cada um de nós faz, o quanto estamos dispostos a fazer que não seja apenas para nós mesmos. Enquanto nada que diga respeito ao alheio for da nossa conta, viveremos no conforto de atirar para todos os lados, rezando para que nada nos respingue na testa.

            Não há como 2018 ser um ano melhor se nós mesmos não formos melhores. Não há mudança que não comece dentro de nós. Particularmente eu sigo sempre no conflito com minhas pequenezas, com meus inúmeros defeitos, porque sou humana e falível. Sei que não é fácil e tampouco simples, mas é um exercício ao qual pretendo me dedicar até o fim dos meus dias.

            Sinto muito, de fato, pelo que vi na cidade na qual cresci. Creio que mil justificativas podem ser dadas, verdadeiras ou não, mas isso não muda o estado das coisas. O que pode mudar realmente algo nesse sentido não está em meu poder e, nesse quesito, resta-me desejar, fervorosamente, que as coisas possam melhorar, que a cidade volte a ter a graça dos dias de outrora e que algumas promessas sejam mais do que meras promessas. Feliz Ano Velho!

 

 

 

CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA -     Advogada,professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e escritora.  São Paulo-