Tratamento genético de dose única pode ser esperança contra AME; entenda
A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença de causa genética que pode ser tratada por uma lista restrita de drogas — incluindo o remédio "mais caro do mundo", que custa em média R$ 6 milhões (Leia Para saber mais). A busca por abordagens mais acessíveis e que possam curar a doença mobiliza cientistas. Uma pesquisa divulgada na edição de ontem da revista Science traz avanços nesse sentido. Por meio de uma técnica de edição genética, cientistas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, conseguiram resgatar a função motora e aumentar o tempo de vida de camundongos modificados para ter a doença.
O neurologista infantil Paulo Lobão explica que os pacientes com AME têm uma falha na produção de SMN, proteína responsável por "alimentar" neurônios motores, o que leva a uma degeneração progressiva dessas células. A maioria das drogas atuais não restaura totalmente a regulação do SMN, o que requer doses repetidas ao longo da vida. A equipe americana propõe uma abordagem diferente.
"Das três drogas para atrofia muscular espinhal, o nusinersena e o risdiplam são transitórias. No caso do zolgensma, tem uma redosagem difícil. Nenhuma delas restaura a proteína SMN aos níveis nativos. Essas limitações nos motivaram a desenvolver um tratamento único de edição de genes que pudesse restaurar permanentemente os níveis normais de proteína SMN com mecanismos reguladores nativos, sem a necessidade de dosagens repetidas", detalha David Liu, um dos pesquisadores de Harvard.
A nova terapia converte o gene SM2 parcialmente ativo, que codifica a proteína SMN, em uma forma totalmente ativa, a SMN1. David Liu conta que ele e os colegas estudaram 79 estratégias genéticas para chegar a esse resultado. Das tentativas realizadas, apenas uma conseguiu converter genes SMN2 em SMN1 com alta eficiência de edição, atingindo eficácia de 99%.
As cobaias submetidas à abordagem tiveram a função motora recuperada e um aumento significativo da expectativa de vida: de 17 dias sem o tratamento experimental para mais de 100 dias com ele. Em um primeiro momento, porém, a diferença foi menor, de 17 para 23 dias.
Segundo Liu, isso ocorreu em razão da curta janela de tempo para que a técnica de edição agisse nos ratos antes que os neurônios fossem afetados pela atrofia muscular espinhal. "São seis dias para a correção ocorrer antes que o destino dos neurônios motores seja selado, e a edição de base em camundongos leva cerca de uma a três semanas. Isso explica por que a extensão da vida útil foi modesta, apesar da conversão eficiente de SMN2 para SMN1."