“Todas as empresas vão usar IA”. Na Educação o desafio é “mantermo-nos atualizados!”

4 de junho de 2024 180

Há uma anedota muito antiga sobre agências de consultoria e consultores: são aqueles que nos pedem o relógio, dizem-nos as horas e cobram-nos por isso... Tal como todas as caricaturas, esta imagem é exagerada, mas não deixa de ser verdade que, muitas vezes, precisamos - pessoas e empresas - que alguém nos perspetive a realidade com dados objetivos. Por isso, quando nos surgiu a possibilidade de obter a opinião de um senior partner do BCG, uma das três grandes consultoras do mundo, acerca do impacto da IA generativa no futuro próximo (e de graça...), não deixámos fugir a oportunidade - mesmo que a entrevista, por circunstâncias várias - tenha acabado ter por sido concedida por e-mail.

“Na minha opinião, quase todas as empresas acabarão por utilizar a IA”, diz-nos Vladimir Lukić. “As capacidades dos sistemas de IA generativa cresceram exponencialmente nos últimos anos e não mostram sinais de abrandamento”, complementa o líder do Boston Consulting Group para Tecnologia e Digital. “É importante que grandes e pequenas organizações considerem a forma como a podem utilizar, antes que a sua concorrência obtenha uma vantagem competitiva significativa, fruto de uma implementação mais rápida.”

Como é natural, as pequenas e médias empresas têm necessidades diferentes das grandes, mas todas beneficiam destas tecnologias. “Nas grandes empresas, com as quais o BCG trabalha, geralmente aconselhamos a começar por identificar áreas específicas onde a IA pode acrescentar valor, como a automatização do serviço ao cliente, a criação de conteúdos ou a análise de dados”, diz ao DN o especialista.

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“Espero ver [em Portugal] um aumento dos postos de trabalho em áreas da tecnologia”, previu Vladimir Lukić, senior partner do BCG e especialista em Digital.

“Para as pequenas empresas, o recurso a ferramentas de IA prontas a utilizar - Software as a Service (SaaS) - que se integram facilmente nos sistemas existentes, pode constituir uma forma económica de aumentar a produtividade e a eficiência” são a melhor solução.

Lukić lembra que “muitas pequenas organizações começarão a ver as funcionalidades de IA a aparecer em ferramentas que já utilizam diariamente - Salesforce, Microsoft Word ou Excel, Google Search ou Gmail, Adobe Illustrator ou Figma... Todas estão a lançar funcionalidades de IA Generativa. Por isso, todos devem continuar a aprender e a informar-se sobre as novas funcionalidades.”

Este processo de adaptação constante é fundamental para que uma organização se mantenha competitiva. Mas não apenas no setor empresarial. Há uma outra área da sociedade em que a IA generativa está já gerar um grande impacto - e ainda estamos só no princípio da introdução destas tecnologias: a Educação.

“Esta questão está no topo das minhas preocupações, uma vez que um dos meus filhos vai entrar na universidade este ano e só posso imaginar como a sua experiência será diferente da minha”, confessa Vladimir Lukić. Ainda que, reconhece, “os sistemas educativos têm vindo a integrar cada vez mais a tecnologia ao longo do tempo”, alerta que, “tendo em conta os rápidos avanços da IA generativa, correm o risco de ficar para trás”.

E uma vez que este tipo de tecnologia irá, direta ou indiretamente, influenciar praticamente toda a atividade humana, seria de suprema importância “incorporar a IA e a literacia digital no currículo a todos os níveis e não apenas numa única aula. A IA tem lugar em cursos não só de matemática e ciências informáticas, mas também de escrita, filosofia, economia e ciências políticas”, afirma.

Em suma: “Os professores devem concentrar-se em dotar os alunos de competências de pensamento crítico. A única constante é a mudança e essas permitem aos estudantes e profissionais adaptarem-se ao progresso das tecnologias e compreenderem e raciocinarem sobre as implicações éticas da IA. O desafio educativo para nós será o de nos mantermos atualizados!”

Mais ou menos emprego? Emprego diferente

Com todas as alterações que estão já a acontecer - e as muitas que aí vêm em breve - a questão que praticamente todos colocamos é: e como ficam os nossos empregos? Pois... é complicado. Mas a perspetiva é no geral positiva, em especial para Portugal.

“O impacto da IA no mercado laboral é complexo, envolvendo tanto a eliminação como a criação de postos de trabalho. Embora a IA automatize determinadas tarefas, conduzindo provavelmente à perda de algumas funções em determinados setores, também criará novas oportunidades e crescimento de emprego noutros”, começa por dizer o especialista do BCG. “Os níveis de impacto irão variar nas diferentes indústrias. Os setores da tecnologia de ponta e dos cuidados de saúde poderão registar um crescimento do emprego, ao passo que na indústria transformadora tradicional (em especial à medida que a IA generativa for ao encontro dos avanços da robótica) e nas funções administrativas poderá diminuir”, exemplifica.

“Embora a eliminação de postos de trabalho seja uma preocupação, e algo que as comunidades e os governos não devem negligenciar, também não devemos ignorar a necessidade de aproveitar a IA generativa para criar novas oportunidades e melhorar as competências da força laboral para se adaptar à evolução do mercado”, sublinha o consultor, que observou “em Portugal, [um] vibrante cenário tecnológico”.

Por cá, assegura, “espero certamente ver um aumento dos postos de trabalho em áreas específicas da tecnologia.”

Mas não existe a ideia de que a própria IA porá em risco também essas profissões, ao vir a ser, um dia, capaz, por exemplo, de programar melhor do que um ser humano? Vladimir Lukić sintetiza: “Embora a IA generativa seja uma ferramenta poderosa, deve ser utilizada para aumentar as capacidades humanas e não para substituir os programadores humanos. A supervisão e o aperfeiçoamento contínuos, por programadores qualificados, são necessários para garantir a precisão e a fiabilidade do código gerado pela Inteligência Artificial.”

Há, no entanto, uma vertente que é, infelizmente, inevitável - o mau uso destas mesmas ferramentas, nomeadamente para a produção de informação fraudulenta, desde fake news deep fakes, a níveis até capazes de colocar as instituições democráticas em risco. Para Lukić, o combate a este fenómeno só é possível através da “colaboração entre muitos atores diferentes”.

“Em primeiro lugar, os criadores destas tecnologias devem prosseguir os esforços atuais para desenvolver técnicas de marca de água de IA e outras abordagens que ajudem os cidadãos e os jornalistas a determinarem a proveniência dos conteúdos”. Trata-se de identificadores digitais - nos metadados das imagens, por exemplo - que identificam claramente que se trata de um objeto digital criado artificialmente.

“Em segundo lugar, há espaço para a regulamentação na restrição de uso da IA em certos casos de utilização sensíveis - por exemplo, a utilização de fotos ou imagens adulteradas, em anúncios de campanhas políticas ou para criar campanhas de publicidade / marketing enganosas”, prossegue. “Por último, nada substitui a educação na construção da literacia mediática da população, que deve ser capaz de avaliar criticamente a informação que consome.”

E assim regressamos à questão da importância da Educação se adaptar às novas realidades. De outra forma, torna-se obsoleta.

Fonte: Ricardo Simões Ferreira