Reconhecimento da Palestina. Debate na AR emociona Livre e Governo mantém firmeza

21 de junho de 2024 146

O debate de atualidade proposto pelo Livre, terminou esta sexta-feira com lágrimas da deputada Isabel Mendes Lopes, que não as conteve enquanto falava nos números resultantes do conflito em Gaza. Com o reconhecimento dos Estado da Palestina em cima da mesa, o Parlamento foi unânime no reconhecimento dos dois Estados, mas não para já.

Por parte do Governo, que é quem tem a palavra final sobre o reconhecimento do Estado da Palestina, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, afirmou que “ninguém tem dúvidas sobre a desumanização a que se assiste na faixa de Gaza”, mas, para já, a posição do Executivo liderado por Luís Montenegro é a de haver “um debate alargado e equilibrado, investindo tudo numa ação diplomática exigente”.

De acordo com o ministro e reiterando a condenação da crise humanitária em Gaza, a posição de Portugal é “apreciada pela Autoridade Palestiniana”, mas “não há uma solução definitiva para a paz”.

“Até lá, continuamos a defender que a nossa posição de mediação é a mais útil para os dois Estados”, rematou, com a certeza de que o Governo não vai reconhecer, para já o Estado da Palestina.

As intervenções do CDS e da IL, que se seguiram, sublinharam a tese do Governo e trouxeram ataques e interrogações ao deputado do Livre Rui Tavares, o proponente do debate.

Apesar de ter manifestado uma “profunda solidariedade com a população civil na Faixa de Gaza”, o deputado do CDS Paulo Núncio sublinhou que o partido reprova o ataque do Hamas, que considera que começou isto, a 7 de outubro. 

“Condenamos as manifestações racistas, xenófonas e antissemitas” que se lhe seguiram, disse, aludindo a várias iniciativas em que participou o Livre. Nesta primeira ronda, questionou Rui Tavares se só condena também estes atos ou se só condena se forem cometidos por Israel.

Com a confirmação de que concordou com a posição do Livre na abertura do debate, transmitida por Rui Tavares, o deputado da IL Rodrigo Saraiva exibiu uma fotografia de uma ação de campanha do Livre onde aparece um cartaz com uma bandeira da Palestina e a frase em inglês From the River to the Sea (do rio até ao mar), que classificou como uma afirmação por parte do partido de que não quer o Estado de Israel. A frase refere-se ao território desde o Rio Jordão até ao Mar Mediterrâneo, a que corresponde hoje Israel e os território ocupados da Palestina.

Com esta referência, Rodrigo Saraiva terminou a intervenção questionando se o argumento de Rui Tavares era o do Livre do “lado extremista” ou do “Livre moderado”. 

Por sua vez, Rui Tavares respondeu tanto ao CDS como à IL com a garantia de que o Livre foi o primeiro partido a condenar os ataques do Hamas em Israel de 7 de outubro, mas com a referência de que Paulo Núncio não deve lembrar-se porque o CDS nessa altura não tinha respresentação na Assembleia da República.

A Rodrigo Saraiva lembrou que o “Livre, desde a sua fundação, é a favor da solução dos dois Estados”, incluindo por isso Israel, e deixou a nota de que a ideia de que “desde o mar ao Rio Jordão não há lugar para palestinianos” é uma ideia do presidente argentino Javier Milei, defendido pela IL.

Entre recordações históricas e a defesa da poulação de Gaza, a deputada do BE Marisa Matias afirmou que “as consequências de não reconhecer o Estado da Palestina têm repercussões reais” e não o fazer “é dar um sinal de que não é possível parar a matança”.

Depois de classificar a intervenção de Israel em Gaza como uma “punição coletiva de um povo”, a deputada bloquista apontou que o Estado israelita “teve um contributo para o reforço do Hamas”.

Citando o antigo primeiro-ministro de Israel Itzhak Rabin, Mrisa Matias deixou a frase, em tom retórico, “o Hamas é o erro mais grave que cometemos”.

Por fim, lembrou que o atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, “já disse que não defende o reconhecimento dos dois Estados”. 

Uma posição semelhante foi defendida pela líder parlamentar do PCP, Paula Santos, ao evocar “As atrocidades contra o povo palestiniano” que, defendeu, “não têm fim”.  

Com a indicação várias vezes referida pelos partidos de que “já foram assassinados mais de 37 mil palestinianos”, a deputada comunista questionou “de que está à espera Portugal para dar um contributo decisivo”.

“Está à espera do aval dos Estados Unidos, da União Europeia, de Israel, pondo em causa a nossa soberania”, perguntou, sem esperar pela resposta e antes de destacar que “são já 75% dos países” a nível mundial que reconhecem o Estado da Palestina. 

“Portugal integra a minoria que insiste em não o reconhecer”, continuou, e “o Governo não o faz, por opção política”, o que, para Paula Santos “só revela, de facto, a cumplicidade com tudo aquilo que está a fazer Israel contra o povo palestiniano”. 

Esta frase mereceu depois críticas do ministro Pedro Duarte, que questionou o PCP sobre os “regimes sanguinários” que o partido nega em não reconhecer.

O líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, começou por acusar o Livre de não ter nada “a apresentar aos portugueses”, por considerar que em vez de trazer ao Parlamente um debate sobre “forças de segurança” ou sobre as condições de trabalho dos “oficiais de justiça”, “a grande preocupação é o reconhecimento do Estado da Palestina, quando tanta gente nem consegue pagar a renda de casa”.

“Podia ter trazido o tema LGBTI no Gana”, propôs, criticando as opções políticas do partido de Rui Tavares.

“Todos estamos de acordo que Portugal tem de procurar a paz”, acabou por confirmar, apesar de sublinhar que “não é no meio da guerra que vamos reconhecer um Estado”. 

“Não é o momento”, disse, acrescentando que não é com manifetsações que se resolvem as coisas.

“Os senhores estão ao lado dos terroristas”, acusou, apontando para Rui Tavares. 

“O Chega trouxe aqui a este parlamento o reconhecimento da Rússia como estado terrorista. O Livre votou contra”, afirmou.

Em resposta, mais tarde, Rui Tavares recordou a resolução do Chega sobre a Rússia e lembrou que o partido absteve-se e não votou contra, ao contrário do que o deputado do Chega tinha afirmado.

Pelo PS, a líder parlamentar, Alexandra Leitão, considerou que este assunto diz respeito a Portugal, na mesma medida em que “a continuação da guerra em Gaza garante que o radicalismo do ódio de ambos os lados se mantenha”.

Perante este cenário, a deputada socialista destacou como prioridade a proteção da população civil. 

“Deve reconhecer-se já o Estado da Palestina”, continuou, lembrando que a Palestina já é observador nas Nações Unidas e que 146 Estados já reconheceram a Palestina como Estado independente” 

“Esperar pela unanimidade [entre países] é adiar para sempre”, sustentou, explicando que o reconhecimento “será um primeiro momento de um longo caminho, mas um passo na direção certa que Portugal deve dar”. 

“Não há culpas coletivas, nem do povo de israel nem do povo da palestina”, concluiu.

Na intervenção de encerramento do debate, a deputada do Livre Isabel Mendes Lopes emocionou-se enquanto explicava os números do conflito.

“São 260 dias de um horror absoluto”, explicou, enquanto trazia dados novos.

“Três mil crianças estão em risco de morte por subnutrição” e “o direito internacional está a ser ameaçado”, disse, enquanto acrescentava que “não há culpa coletiva” de nenhum lado.

Por isso, criticou o “antissemitismo e a islamofobia”. “Esta espiral de ódio tem de ser estancada”, pelo que defendeu a solução de dois Estados. Que foi unânime no hemiciclo. 

No entanto, enquanto identificava que “80% das casas em Gaza foram destruídas”, “todas as universidades foram destruídas”, tal como “as culturas, as oliveiras, os solos”, a deputada foi revelando a voz afetada pelo que dizia. 

“Há 19 mil crianças” que perderam as famílias, disse antes de deixar de conseguir conter as lágrimas.

E foi assim que deixou uma descrição de Gaza: “De uma prisão a céu aberto passou a ser um inferno a céu aberto”.

“É preciso exigir que Israel participe nesta resconstrução”, exigiu, antes de abandonar o púlpito e voltar à bancada do Livre entre aplausos da esquerda.

Fonte: Vítor Moita Cordeiro