OS REVOLUCIONÁRIOS E OS MILITARES BRASILEIROS FORAM EXTRAIR LIÇÕES DE GUERRILHA URBANA DE UM MESMO FILME

2 de setembro de 2023 243

Para não cair no ramerrão, vou desta vez aproveitar uma crítica alheia (superlativa!) para dar aos leitores uma ideia da grandeza cinematográfica, histórica e política de A batalha de Argel

Trata-se de um filme de 1966 que foi, naquele momento, visto com muita atenção pelos líderes esquerdistas que pretendiam lançar aqui a luta urbana; adiante, já proibido pela censura, serviu como referência também para os militares incumbidos de combatê-la, que o assistiram em exibições privadas.

Seria difícil encontrarmos melhor confirmação da fidelidade com que Pontecorvo mostrou um recorte da lendária luta armada anticolonialista da Argélia, mais precisamente o do crescimento da guerrilha urbana em 1957.

Pena que os fardados aparentemente foram alunos mais aplicados: 

— enquanto os guerrilheiros brasileiros não alcançamos a vitória, os do norte da África a conquistaram em 1962, com a assinatura de um cessar-fogo, seguido de plebiscitos nos quais o povo dos dois países aprovou a independência argelina;

—já o trecho do filme em que os militares trocam ideias sobre a necessidade de cortar a cabeça da Frente de Libertação Nacional, seguida da intensa e finalmente exitosa caçada ao guerrilheiro Ali La Pointe, encontra paralelo na obsessiva perseguição aos dois Carlos, o Marighella e o Lamarca, igualmente marcada por torturas atrozes.    

A reprodução do texto do crítico português Francisco Rocha é também a homenagem que lhe presto pelo 15º aniversário do seu magnífico blog, que nasceu My Thousand Movies e já evoluiu para My Two Thousand Movies (acessem-no aqui). 

Ele e eu tivemos a mesma ideia no mesmo mês, agosto de 2008. E, pelo menos no que diz respeito ao cinema, há muitos outros pontos comuns entre nós. (CL)

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PONTECORVO FAZ-NOS ENTENDER A PODRIDÃO DA GUERRA.

Um filme comissionado pelo governo argelino, que mostra a revolução argelina dos dois lados. A Legião Francesa tinha deixado o Vietnã derrotada, e tinha algo a provar. Os argelinos procuram a independência, e dá-se o choque. 

Os franceses usam a tortura, e os argelinos respondem com o uso de bombas tradicionais. O filme traz um olhar desagradável sobre a guerra, e todos nela envolvidos.

Marco de Gillo Pontecorvo sobre o anticolonialismo, é provavelmente o mais famoso filme sem verdadeiros imitadores (Z e outros thrillers políticos são bem diferentes), em grande parte porque os países coloniais costumavam ser os países financiadores desses filmes. Aqui os financiadores eram o país que lutava pela independência, o que traz um ponto de vista totalmente diferente para o cinema político. 

Os argelinos são mesmo o centro das atenções do filme, mas mesmo isto não é o que nos faz simpatizar com eles. Pontecorvo faz-nos entender a podridão da guerra, que nenhum dos lados é inocente, pois os argelinos fazem explodir bombas em cafés que matam civis e os franceses, com a sua tecnologia massiva, também matam civis.

Antes das grandes revoluções serem televisionadas, o cinema político permitia que as grandes populações contemplassem a uma certa distância as maquinações e as consequências das agitações violentas. Em A batalha de Argel, os avanços técnicos permitiram à narrativa fundir-se com a estética documental e formular um novo tipo de realismo.  

Pontecorvo mergulha nesta estética, no que pode ser o maior filme sobre a insurreição, perfilando a luta da Argélia pela independência em tal detalhe e agitação que muitas cenas parecem tiradas diretamente de um telejornal da atualidade.

Ele se desliga dos aspectos mais emocionais e adota a tática da câmara no ombro, não apenas para estabelecer o efeito documentário, mas também para fazer sobressair o impacto de cada tiroteio ou explosão como uma experiência profundamente pessoal. 

Ação e reação são inevitáveis, assim como a banda sonora memorável de Ennio Morricone, utilizando o mesmo tema para cada um dos lados, é perturbadora.  Três nomeações ao Oscar e três prêmios no festival de Veneza, incluindo o Leão de Ouro

Obs: para acessar os vídeos do PEQUENO FESTIVAL DE

FILMES ANTICOLONIALISTAS, clique nos seus títulos:

O Leão do Deserto 

Queimada! 

O Tempo dos Leopardos

A Batalha de Argel

 

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Fonte: CELSO LUNGARETTI
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )