Os desafios do estepe

8 de agosto de 2018 862

“Os desafios do poste” seria um título mais chamativo para esta coluna mas não  acho que seja honesto, hoje, chamar Fernando Haddad de poste. Merecia o epíteto em 2012, quando se elegeu prefeito de São Paulo tendo como único capital eleitoral o apoio de Lula. Perdeu, ao tentar a reeleição em 2016. De modo que virgem nas urnas não é mais. Agora, como vice de Lula, ele é apenas um estepe, podendo ser o candidato em caso de inabilitação do ex-presidente no final da batalha jurídica. Mas tanto agora, como lá na frente, como candidato, seus desafios são enormes.  Foi certamente a eles que a senadora Gleisi Hoffmann se referiu quando disse que Haddad, por ora, está em estágio probatório.

A “chapa em três” do PT é uma solução confusa para o eleitorado lulista.  Não é fácil explicar que o candidato é Lula, tendo Haddad  de vice, mas que a vice de fato será Manuela D’Ávila, se e quando o estepe subir à cabeça da chapa.  Foi a solução encontrada para atender tanto à lei, que cobra a indicação do vice juntamente com a do titular aprovado pela convenção,  como à necessidade de fechar logo a aliança com o PC do B,  que não sacrificaria sua candidata sem uma garantia pública de que estará na chapa.    Haddad e Manuela começam a aparecer juntos, e quando mais o fizerem, mais confuso será o sinal enviado ao eleitor médio: a chapa é Lula-Haddad ou Haddad-Manuela? Mais complicado ficou, para o PT, gerir a travessia até o final da batalha jurídica que entrará setembro adentro.

Cobranças e desconfianças

Até lá,  Haddad enfrentará mais exigências que todos os outros candidatos.  Não poderá ir aos debates no lugar de Lula, como já foi decidido em relação ao de quinta-feira na TV Bandeirantes. Não o representará em programas de mídia ou encontros setoriais. Servirá o estágio probatório para que ele tente superar suas deficiências e aprenda a valorizar suas qualidades. Ele é desprovido da cobotinismo,  isso que nos políticos é uma virtude mas para os intelectuais é um defeito.  Não vende bem suas realizações.  Uma das críticas de petistas e aliados é ao perfil intelectual deste filho dileto da USP, onde é professor, com formações em filosofia e direito. Critica-se também sua  linguagem um tanto técnica, muito diversa da de Lula, que sabe falar ao povo com suas metáforas práticas. Desconfia-se também de sua falta de habilidade política, embora não se lhe aponte tropeços, como os de Dilma.

Para ser aprovado como vice de Lula pela Executiva do PT, no domingo, Haddad enfrentou resistências, ainda que isoladas.  Alguns não o consideram um petista genuíno, criticando o que o próprio Lula já teria chamado de “cara de tucano”; outros torcem o nariz para outra virtude, o trânsito para além do PT e além da esquerda, que lhe permite dialogar com Ciro Gomes ou Fernando Henrique, por exemplo. Não há dúvida de que se o mercado tivesse que escolher um petista para engolir, este seria Haddad. Não por acaso ele é o único petista testado como “apoiado por Lula” nas pesquisas que o Ipespe bem fazendo para a consultoria XP.

Virtudes como gestor  ninguém lhe nega. No MEC e na prefeitura adotou políticas públicas inovadoras, com marcas de modernidade, inclusão e sustentabilidade. Nacionalizou o Enem, fazendo dele ponte de acessso dos mais pobres à universidade; em São Paulo,  ganhou a antipatia da classe média tradicional com as ciclovias e a redução de velocidade em certas vias.  Mas isso não basta.  Nos próximos 30 dias – prazo estimado para a decisão judicial final sobre Lula – Haddad terá que saber falar como representante de Lula mas também como candidato convincente, capaz de falar ao largo mar lulista,  aos pobres e aos  nordestinos, apesar de ser doutor e de ser paulista. E tendo como vice uma jovem do Sul que tem forte acento feminista em seu discurso. 

Mas duas virtudes essenciais, aos olhos de Lula, ele teria: lealdade  para atuar como seu representante e maturidade para não se deslumbrar com uma eventual vitória transferida.

A POLITICA COMO ELA é (POR : TEREZA CRUVINEL)

Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação - EBC - e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247; E colaboradora do site www.quenoticias.com.br