O QUE SE VÊ POR AI

5 de maio de 2018 494

“Depus a máscara e vi-me ao espelho. –/ Era a criança de há quantos anos./ Não tinha mudado nada…/ É essa a vantagem de saber tirar a máscara./ É-se sempre a criança,/ O passado que foi/ A criança./ Depus a máscara, e tornei a pô-la./ Assim é melhor,/ Assim sem a máscara./ E volto à personalidade como a um términus de linha”.

Lembro-me dele recebendo toda gente que adentrasse a recepção; invariavelmente, com um belo sorriso no rosto maduro.

            Não sei se mera comoção ou a mais profunda tristeza toca-me, hoje em dia, depois de decorrerem meses, no máximo um ano, quando percebo sua aparente contrariedade.

            Contrariedade? Hummm...

Infelicidade. Talvez seja esta sim a palavra mais adequada para descrever o que vejo.

            Infelicidade. Com certeza este é o sentimento menos apropriado para quem quer, em qualquer lugar, e em que circunstância seja.

            Meu velho conhecido porteiro não é, para infelicidade – desta vez geral – unanimidade.

            Casos à parte de tristeza aguda são cada vez mais raros.

            Comum, agora, é tristeza correndo solta... desinibida.

            Há pouco, num hotel que visito de tempos em tempos, constatei – com tristeza – similar tristeza.

            Não é à toa que tantas vezes no presente texto – e no presente tempo – repete-se a dita-cuja. Seja a palavra. Seja a própria.

            Deixemos de lado alguma possível suscetibilidade. Sugestionamentos de lado, pois, surpreendamos nossa intimidade por um momento de reflexão...

            Quem é capaz de sentir-se imune, agora?

            Quem nunca se flagra com seu mundo de ponta-cabeça?

            A satisfação em vista de tão buscado emprego, da desejadíssima aprovação em concurso, da conquista de um amor etc... dentro em pouco – puft!

            Insatisfação, sim, pode ser a melhor palavra para definir o que se vê por aí.

            Insatisfação, porém, sem dúvida, não é o melhor a ver, embora o defina.

            Impossível, sob quais palavras e circunstâncias sejam, é nos alienarmos.

Urge, a despeito da melancolia, olhar para os próximos e adivinhar-lhes os disfarces; mirar desconhecidos – cujas máscaras nada têm de exclusivas – e descobrir nossos espelhos.

Caso falte a alguém espelho em casa com que, enquanto há tempo, admirar-se... disponha das primeiras linhas. São Álvaro de Campos, em Pessoa.

 

 

 

 

Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br