O Imbecil Coletivo

O título desta pequena crônica é de um livro do escritor Olavo Carvalho, entrevistado pela Folha (28/11): "Guru de Bolsonaro diz que não há intelectual da esquerda do seu nível".Mas minha intenção não é comentar a obra "O Imbecil Coletivo", definida pela crítica como uma espécie de libelo anárquico contra o saber institucionalizado. Quero apenas retomar a polêmica sobre "Escola sem Partido", visto que a indicação do colombiano Ricardo Vélez Rodriguez para ministro da Educação no governo Bolsonaro foi sugestão de Olavo Carvalho. Não estou preocupado em discutir posições ideológicas de intelectuais de esquerda ou de direita, mas na qualidade da educação que possa levar nossas crianças a um melhor desenvolvimento.
O ser humano passou a denominar-se "sapiens" quando seu cérebro adquiriu neurônios suficientes, por quantidade e qualidade, para poder pensar por si próprio e refletir sobre a realidade que o circundava, imaginando, inclusive, a possibilidade da existência de outros mundos e de divindades criadoras e provedoras. É este espírito de curiosidade, o querer saber, que distingue a espécie humana da animal, que deveria ser estimulado em nossos jovens no âmbito familiar e escolar. Aprender é a atividade humana a ser exercida continuamente, do nascimento à morte. Qualquer tipo de aprendizagem não deveria ser mecânica, mas profundamente vivida, interiorizada. O próprio termo "educar" vem do latim "e-ducere": conduzir de dentro para fora.
Portanto, proibir o espírito crítico, a busca da verdade existencial, o direito de pensar com sua própria cabeça, é se contrapor à essência da natureza humana. Infelizmente, os dogmas religiosos e as ideologias absolutistas, comunismo ou capitalismo, fazem isso com a maior naturalidade, contrariando o raciocínio lógico, os fatos históricos, o progresso das ciências. Se Deus criou Adão como ser inteligente, por que o teria castigado por comer a maçã, fruta da árvore do conhecimento do bem e do mal? Por que a busca da sabedoria deveria ser considerada o pecado original do homem? Ainda continuamos acreditando nos ensinamentos da Bíblia, o texto considerado sagrado pelas três maiores religiões do Ocidente, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, embora a física quântica tenha demonstrado que não existe o "sobrenatural", o Alto e o baixo, estando todos os elementos cósmicos, animados e inanimados, envolvidos num eterno movimento circular pelas ondas gravitacionais. Sem nos dar conta, rodamos de cabeça para baixo a uma velocidade maior do que à da luz. Infelizmente, a aparência esconde a essência das coisas, conforme já intuiu o filósofo grego Platão na sua teoria das idéias.
Porque a realidade cotidiana não nos satisfaz, não nos conformando com o sofrimento e a morte, inventamos a existência de um outro mundo, imaterial e eterno, a separação da alma do corpo, do tempo da eternidade. Religiões e artes surgem da fantasia do homem que aspira à imortalidade. Diferentemente da fé, que é dogmática, e da arte, que é imaginativa, a ciência se desenvolve pela observação e experimentação, nunca achando ter alcançado verdades absolutas. A antiga teoria ptolemaica, que achava a Terra plana no centro do Universo, foi superada pelo heliocentrismo do renascentista Copérnico, até chegarmos à teoria da relatividade, formulada por Einstein.
A cartilha da Escola sem Partido não admite questionamentos em sala de aula sobre ciência, religião, política, sexo, moral, que contestem a tradição cultural em que vivemos. O professor não deveria comentar a obra do naturalista britânico Charles Darwin "A origem das espécies", que provou cientificamente o homem descender de primatas, substituindo a teoria da criação divina pelo evolucionismo genético. Não deveria se criticar nosso atual sistema político do Presidencialismo de cooptão com duas dúzias de partidos, a principal causa da corrupção generalizada; a reeleição de políticos desonestos ou incompetentes; a falta de planejamento familiar; a descriminalização do aborto e do uso de drogas; a tolerância poliafetiva, racial, imigratória. A discussão sobre estes assuntos, segundo o futuro Ministro, levaria à destruição dos valores tradicionais da nossa sociedade. Eu peço desculpas para discordar. Quem não compartilha a imbecilidade coletiva sabe que o diálogo é sempre produtivo, pois não há evolução sem contestar a tradição. É preciso encontrar um meio termo entre doutrinação e lei da mordaça. O professor é pago para ministrar aulas sobre a matéria das disciplinas curriculares, mas isso não impede de responder a perguntas ocasionais de alunos. Fundamental é estimular os estudantes a pensar para dar sentido a sua vida e fortalecer o sentimento de cidadania.
Salvatore D' Onofrio
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
www.salvatoredonofrio.com.br
http://pt.wikisource.org/wiki/Autor:Salvatore_D%E2%80%99_Onofrio