Moral e cívica

23 de abril de 2019 416

A Folha de São Paulo assim resume o artigo de Antonio Carlos Will Ludwig "Retorno à moral e cívica" (Ilustríssima14/4):  "Autor analisa o crescente  apelo à educação militar no país e apresenta sugestões de cooperação entre professores civis e as Forças Armadas com vistas a aperfeiçoar a formação dos alunos, sem que se abra mão dos valores democráticos". O assunto é de  importância nacional, merecendo comentários a respeito, antes que se tomem medidas desastrosas, tipo facilitar o porte de armas. Em primeiro lugar, dever-se-ia averiguar se o citado apelo a uma educação  militar de nossas crianças vem da massa popular ou de quartéis que querem ocupar espaços didáticos com fins políticos.

            A tentativa de incluir na grade curricular uma matéria específica para ensinar educação moral e cívica já fracassou várias vezes, inclusive em regimes ditatoriais, por não encontrar docentes especificamente preparados para isso. Como alguém pode ter a pretensão de saber ensinar uma disciplina que ele não teve na graduação nem na pós? Quando obrigatória, a disciplina de educação moral e cívica foi ministrada por sociólogos, filósofos, políticos, militares, religiosos, historiadores e outros... improvisadores! Pelo que eu saiba, tal disciplina não existe no rol escolar de nenhum país democrático e civilizado, visto que a educação de um povo não pode estar a cargo de uma disciplina curricular, implicando a colaboração da família e da sociedade como um todo.

            O articulista justifica a inclusão da disciplina para sairmos da "degradação ética" em que vivemos. Mas como se pode degradar o que nunca existiu? A maioria do nosso povo ainda não chegou a ter uma consciência cívica, que nos faça dar mais valor ao bem público do que a interesses individuais ou de grupos. Lembro que, há mais de meio século, ao visitar minha irmã casada com um inglês, sua filhinha de quatro anos mexeu nas flores do jardim da universidade de Cambridge, ao que o pai a repreendeu severamente, dizendo "this is not possible, is public"! Educação moral e cívica é isso: ensinar a respeitar o que é dos outros; trabalhar para que outro não seja obrigado a trabalhar dobrado; não ter filhos se não puder criá-los decentemente; não reeleger políticos desonestos ou incompetentes; pensar com sua própria cabeça, sem acreditar piamente em mitos religiosos ou políticos, usando o raciocínio lógico, a verdade histórica, as descobertas da ciência. Para isso, mais do que a volta da polêmica disciplina de educação moral e cívica, precisamos de escolas em tempo integral, onde nossas crianças, além de estudarem as matérias curriculares, exercitem artes e esportes.

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Salvatore D' Onofrio 
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP 
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
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