LULA 3 SERÁ COZIDO EM FOGO ALTO PELA CRISE CAPITALISTA

13 de março de 2023 207

Com sua costumaz lucidez, Celso Lungaretti alerta o lulopetismo para o possível fiasco de seu novo governo diante das atuais condições do capitalismo brasileiro e mundial. Como também é costumaz, o alerta será recebido com tremenda indiferença pela turma hoje de volta ao poder. 

Não poderia ser diferente, pois há muitas décadas o lulopetismo deixou de pensar criticamente e tomou o caminho da mistificação eleitoreira onde cabe apenas duas categorias: ou você está com eles ou é contra eles. À esquerda, o lulismo não tolera qualquer análise ou crítica que aponte erros ou implique na perda de votantes. Só a bajulação é tolerada e quem não se ajoelha é ou sumariamente ignorado ou, caso tenha um mínimo de viabilidade, tem sua imagem destruída, a exemplo do feito contra Marina Silva e Ciro Gomes

Mas, infelizmente para eles, a realidade não se sujeita ao que queremos, pois é objetiva, e ignorando-a ou não, ela acaba sempre se impondo. Ninguém deixa de ser atropelado por um carro ao atravessar a rua inadvertidamente por ter posto na cabeça serem os automóveis hologramas e quem não acredita na gravidade acaba esborrachado no chão igual a qualquer outro caso pule do décimo andar de um prédio. 

Tanto quanto a força concreta dos carros ou da gravidade, existe a dinâmica do capitalismo, estrutura social criada pelo trabalho humano, mas cuja objetividade e legalidade governa a todos. Marx já dizia, os seres humanos criam a sociedade, mas não simplesmente do modo como querem ou nas condições que querem, existindo aí um jogo complexo de interações e formas de intervenção, as quais variam em capacidade de acordo com o nível de profundidade da dinâmica social. 

A raiz do capitalismo é a propriedade privada dos meios de produção, onde a riqueza criada pelo trabalho é apropriada pelo proprietário, o capitalista ou burguês. A propriedade privada estabelece o mercado, onde os indivíduos estão em contraposição entre si e a riqueza, gerada socialmente, só pode circular mediante trocas. A necessidade das trocas gera o Valor, elemento objetivo da riqueza, possuindo por função comparar as mercadorias a serem trocadas, e cuja base é o tempo de trabalho médio socialmente necessário para se produzir uma mercadoria. Quanto menos tempo, menos valor terá uma mercadoria e mais competitiva ela ficará no mercado. Para compensar a perda relativa do valor de uma mercadoria, o capitalista amplia a produção. Ou seja, no capitalismo a lógica é produzir mais com o menor tempo possível

É este esquema, totalmente objetivo e independente da vontade particular deste ou daquele indivíduo - seja ele um simples cidadão, um banqueiro ou um presidente - a mola do regime capitalista e também seu elemento desintegrador. Por um lado, a própria estrutura da propriedade privada força a concentração de riqueza, pois o capitalista se apropria a riqueza produzida pelos trabalhadores, devolvendo apenas parte dela na forma de salário. Ao contrário do pensamento comum, o salário é uma devolução, pois toda riqueza produzida é de imediato do proprietário, estando aí a raiz da alienação apontada por Marx entre o trabalhador e o fruto de seu trabalho. O operário não se reconhece na mercadoria pois ela é experenciada efetiva e imediatamente como uma coisa pertencente a outro

E existem outros níveis de concentração da riqueza, variando entre os próprios capitalistas, setores da economia, cidades, regiões e finalmente chegando a países. Capitalismo é acúmulo, é drenagem da riqueza sempre para as mãos de pouquíssimos, implicando no fato de que o capitalismo sempre será desigual e quanto mais riqueza for produzida, mais desigual a sociedade capitalista será. 

O outro aspecto importante da estrutura capitalista é a chamada lei do valor. Ora, se no mercado é mais competitiva a mercadoria com menor valor e é preciso sempre produzir mais para compensar a perda relativa com mercadorias individuais, a consequência é uma frenética corrida para fazer mais e com o menor custo. No limite, porém, esta corrida muitas vezes termina mal, pois a sociedade não consegue absorver toda a produção, levando à paralisia do comércio e consequente paralisia produtiva. Os lucros despencam, os capitalistas mais débeis começam a quebrar, não honrando compromissos com fornecedores, instituições bancárias e funcionários. Começam a ocorrer demissões, retroalimentando a queda da demanda e, logo, toda a sociedade está em crise.

A crise capitalista, assim, é uma crise de superprodução, ao contrário do passado quando ocorriam crises sociais por escassez. É pelo excesso e pela queda da taxa de lucro que o capitalismo sucumbe e isto não tem relação com política econômica, monetária, taxa de juros ou ambiente de negócios. É uma lei do próprio capitalismo, encrustada em seu núcleo duro, a propriedade privada e o mercado, e tão objetiva quanto a fórmula da água. São os economistas vulgares os responsáveis por transformar este fato em uma questão monetária, de controle fiscal, estímulos, falta de reformas ou qualquer outra pataquada inócua representativa apenas do quanto a Economia não é uma ciência, mas apenas uma forma de manipulação ideológica. 

Por isso, o capitalismo é incontrolável e irreformável, pois em sua essência está o irracionalismo da superprodução e do mercado. Ao longo da história, os capitalistas tentam colocar gambiarras no sistema para contornar as constantes crises de acumulação, basicamente lançando mão de dois mecanismos, a intervenção estatal e a guerra. A intervenção varia de tipo e nível, podendo ser a estatização ou desestatização, empréstimos, desonerações ou onerações, benefícios sociais ou sua retirada, etc. Já a guerra é o momento ápice em que o excesso de riqueza é literalmente obliterado para abrir passagem, a fórceps, para novo ciclo acumulativo.

Dito isso, todo governo basicamente tem duas alternativas: ser sortudo ou ser azarado. Com sorte, ele pega um momento de crescimento, onde os negócios estão indo bem e a acumulação capitalista está dentro de padrões toleráveis. Se tiver azar, ele pega o momento de fim de ciclo, de crise na acumulação. Lula teve sorte em 2003-2010, não parece ter agora. 

Na realidade, desde 2008 o capitalismo mundial patina, incapaz de engatar um ciclo produtivo sustentável. A razão é exatamente a elencada acima, a superprodução, ou, dito de outra forma, o capitalismo bateu no teto, igual já tinha batido em 1929. Isso significa que na atual configuração mundial, é impossível os seres humanos absorverem adequadamente a quantidade de mercadorias produzida, não por falta de dinheiro pra consumir, mas porque o nível produtivo é tão titânico a ponto de ser humanamente impossível dar conta de tudo, apesar de estarmos em um contexto  de hiper consumo supérfluo, com a produção abissal de lixo e rejeitos.

O resultado político disto é a ingovernabilidade social, com erupções de levantes, guerras e, mais prosaicamente, o desgaste de governantes. A impopularidade dos governos, sejam eles de esquerda ou direita, tem sido a tônica destes anos, com a crise engolindo a todos. Basta olhar para Biden, Boric, Fernandez, Macron, etc, para se ter ideia deste processo, todos assumiram com grandes esperanças para logo derraparem na insatisfação popular. Novamente, como disse Marx no 18 de Brumárioa primeira vítima de toda crise capitalista é o mandatário do país, não importa quem ele seja, pois é nele que o povo comum canalizará sua raiva e insatisfação. E quem costuma faturar é a oposição, seja também quem ela for.  

Em épocas de crise aguda, como a que estamos começando a viver, as alternativas radicais ganham mais guarida no seio da população. O campo dos moderados vai diminuindo até se tornar minoria completa, ao contrário de épocas de estabilidade, quando é majoritário. A aderência às ideias radicais surge da própria condição crítica vivida pelos indivíduos no dia a dia. A emotividade passa a falar mais alto, com o medo, a raiva, o ódio e a esperança tomando o lugar do raciocínio pragmático. São tempos de intolerância e agressividade. Por isso, quem apostar no mais do mesmo invariavelmente fracassará e apenas quem encarnar a mudança será capaz de arregimentar as multidões. 

A extrema-direita sabe disto e é este o motivo de ela falar e agir de forma radical. No entanto, sua radicalidade é falsa, pois visa apenas reforçar, por outros meios, o domínio da propriedade privada e do mercado, mas consegue apelar ao vulgo por oferecer alternativas à situação vivida. 

Ao não propor alternativa nenhuma, o lulopetismo entra no lodaçal modorrento da continuidade do pesadelo. Pior, pois enfraquece a esquerda e deixa a direita como única vocalizadora de um projeto de transformação social. Enquanto se arvora no discurso tecnocrata, na empulhação e na politicagem, o governo Lula é comido pouco a pouco pela crise capitalista, diante da qual é impotente. A única alternativa seria romper as amarras do bom mocismo e enveredar também pelo caminho da radicalidade, com todas as consequências daí advindas. No entanto, basta olhar a cara tediosa de Haddad para perceber o quanto audácia não é palavra constante do dicionário lulista. 

Resta então ir cozinhando a gororoba indigesta e empurrando com a barriga o fim, que se prenuncia trágico. Caso não tenha outro golpe de sorte, o destino de Lula 3 será o de ser tragado pela debacle da sociedade capitalista. (por David Emanuel Coelho

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Fonte: CELSO LUNGARETTI
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )