História de amor que escandalizou Portugal em 1918 regressa em livro

17 de fevereiro de 2018 601

Aobra tem por protagonista Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha de Eduardo Coelho, que, em 1918, aos 48 anos, abandonou o marido e a casa da família, no palácio de S. Vicente, na Graça, em Lisboa, para ir viver "para uma aldeola perdida" com o seu motorista de 26 anos, um caso que "ultrapassa a ficção", como disse à agência Lusa a autora, e que levou à detenção dos protagonistas.

 

A primeira edição de 'Doida não e não!' data de março de 2009, e regressa aos escarapates das livrarias este mês, sendo apresentada na sexta-feira, dia 23, às 18:00, no auditório Armando Guebuza da Universidade Lusófona, em Lisboa, numa sessão em que participa a autora, o vice-reitor da Universidade Lusófona, Carlos Poiares, a diretora executiva de Conteúdos da SIC, Júlia Pinheiro, o escritor Luís Filipe Sarmento e a cineasta Monique Rutler.

Em declarações à Lusa, a escritora disse que, "na posse de mais dados", resultado do acesso à biblioteca do palácio de S. Vicente, onde Maria Adelaide Coelho da Cunha viveu, e da descoberta de papéis guardados num fundo falso de uma escrivaninha, permitiram "tecer e cruzar" factos e "encontrar uma lógica" para os acontecimentos, "como se de uma tapeçaria se tratasse".

"A imaginação é mais pobre que a realidade que lhe é dada pela 'cornucópia' de acontecimentos rocambolescos em torno do caso", frisou. Manuela Gonzaga não tem dúvidas: "Foi de facto uma história de um grande amor".

Maria Adelaide Coelho da Cunha "abandonou tudo, riqueza e posição social, pelo motorista, Manuel Claro". "Enfrentou o marido, foi uma luta de titãs. E, contra tudo e todos, foi viver com Claro", disse.

O caso fez 'correr tinta' nos jornais, levou à publicação de vários livros e foi manchete nos jornais da época, em 1918-1919, quando a "gripe espanhola" ceifava vidas e a Grande Guerra preocupava uma República ainda recente.

Para Manuel Claro, Maria Adelaide, rica herdeira do Diário de Notícias e muito estimada nos círculos literários e mundanos da capital, "foi a mulher da sua vida".

O motorista, referiu Manuela Gonzaga, podia ter refeito a sua vida no Brasil, "onde tinha familiares abastados", mas recusou, "por amor a ela, pois estava interditada e não o poderia acompanhar".

"Ele esteve preso quatro anos e, depois, voltou para ela que aliás o visitou [na prisão] disfarçada de lavadeira"

"Esta é uma verdadeira paixão, ele foi-lhe sempre fiel, apesar dos obstáculos, e ela não era uma menina, foi sempre envelhecendo e não tinha já fortuna", enfatizou.

A senhora de São Vicente, como era citada Maria Adelaide, "a dado passo e para todo o país, era bem claro que nada tinha de louca".

O título 'Doida não e não!' tem origem numa argumentação de Maria Adelaide Coelho de Cunha, contra o marido, Alfredo da Cunha, que defendia a declaração de insanidade da mulher, em vésperas de ser dado como herdeiro do sogro, Eduardo Coelho, proprietário do Diário de Notícias.

O livro resulta de cerca de dois anos de investigação, da análise de "centenas de pastas", designadamente, pelo acesso que foi facilitado à biblioteca do palácio pelos atuais proprietários que nada têm a ver com Maria Adelaide ou o seu primeiro marido.

"A própria Maria Adelaide escreveu dois livros, publicou crónicas, o marido respondeu... Li relatórios médicos, cartas e até pequenos apontamentos domésticos", explicou a autora.

A sua preocupação foi "enquadrar, na época, Maria Adelaide". "Esta não é a história de uma mulher, é uma história de vários homens, de uma sociedade, de uma época", acrescentou.

O caso envolveu toda sociedade, incluindo nomes de referência como João Azevedo das Neves, Egas Moniz, Sobral Cid, Júlio de Matos, Leonardo Coimbra, Lourdes Feyo.

"Havia que equacionar esta realidade: Que senhora é esta que, de repente, em 1918, e após 28 anos de um casamento feliz, troca de roupa e vai para uma aldeola perdida por amor a um jovem de 26 anos?"

"Este romance abalou a sociedade portuguesa e procurei trazê-lo aos dias de hoje, num discurso fluente que não fosse maçador e que levasse as pessoas a acompanhar a vida dela", acrescentou a escritora.

Para autora, o seu livro de 400 páginas é "uma janela aberta sobre o quotidiano da primeira metade do século XX".

A obra também será apresentada no dia 28 de fevereiro, pelas 18:00, no Porto, no Centro Hospitalar Conde de Ferreira, onde Maria Adelaide foi internada. A sessão conta com o psiquiatra Adrían Gramary, com Aida Suárez Gutierrez, da Confraria Vermelha-Livraria de Mulheres, e com Sofia Teixeira, do blogue Bran Morrighan.