HÁ 50 ANOS, A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS COLOCAVA FIM À MAIS LONGA DITADURA FASCISTA DA EUROPA
Às 0h25, pelo horário de Lisboa, do dia 25 de abril de 1974 tocava na então Rádio Renascença, católica e defensora da ditadura, a música Grândola, Vila Morena, composta por José Afonso. A música, banida no país pela censura, era a senha para a mobilização das tropas que iriam ocupar a capital portuguesa e derrubar o regime salazarista, existente desde 1926,o mais longo regime fascista em vigor então na Europa.
Surgido no contexto das contrarrevoluções fascistas das décadas de 1920-30, o chamado Estado Novo foi fundado por António de Oliveira Salazar, um simpatizante de Mussolini e de Hitler, e tinha por base um pensamento ultramontano, de conservadorismo católico, tendência antimodernizante, corporativista e anticomunista. Durante suas quase cinco décadas de existência, transformou Portugal no país mais pobre e atrasado da Europa ocidental, graças, sobretudo, à resistência ao avanço pleno das forças capitalistas. O pilar do regime era a manutenção do extenso império transmarítimo, herança do período das navegações, que incluíam possessões na África, Ásia e Oceania. Em suma, cumpria um papel de retaguarda contrarrevolucionária na porta da Europa, pois economicamente nunca havia cumprido qualquer papel relevante no capitalismo contemporâneo.
"E Depois do Adeus" foi a primeira música tocada pelo movimento revolucionário, às 22h55 do dia 24. Era a senha para as tropas se prepararem para a saída às ruas.
As colônias, inclusive, foram uma das causas fundamentais para o colapso da ditadura, pois havia quase dez anos Portugal levava adiante custosa e sanguinária guerra na África contra a independência de suas possessões, particularmente de Angola e Moçambique. Até 1974, a guerra já matara e mutilara dezenas de milhares, criando o descontentamento popular com os contínuos alistamentos e o gasto exorbitante para um conflito claramente já perdido. Era, guardadas as devidas proporções, o Vietnã português e, igual ocorria nos EUA à época, alimentava domesticamente uma situação revolucionária.
E essa revolução acabou por vir. O golpe militar desfechado majoritariamente por capitães ocupou o Paço, sede do governo, tomou rádios, TVs, o aeroporto, quartéis e outros prédios públicos chave durante o começo da manhã. Não houve qualquer reação do regime e ao fim do dia, Marcelo Caetano, que havia assumido o poder após a morte de Salazar, se dirigia dentro de um blindado - para evitar o linchamento por parte dos populares - para o aeroporto, de onde seguiria para seu exílio no Brasil.
Povo e soldados confraternizam nas ruas de Lisboa
Entraram para a história as cenas dos agentes da PIDE - uma espécie de DOI-CODI português - sendo revistados apenas de cuecas pelos militares e depois sendo colocados para dentro das celas das delegacias, as mesmas que pouco antes eram ocupadas por presos políticos.
O Movimento das Forças Armadas -MFA- triunfava pelo país e o povo afluía às ruas para celebrar junto aos soldados, com cravos vermelhos, cânticos de protestos e manifestações massivas. Mas ali era apenas o começo, pois a derrubada do regime foi o ponto inicial de uma profunda revolução socialista que iria se estender até 1975, mais precisamente até o golpe contrarrevolucionário de 25 de novembro daquele ano, o qual colocou fim ao chamado Processo Revolucionário em Curso e marcou a vitória do capitalismo e o encaminhamento do país tal como é hoje.
No entanto, as conquistas da revolução dos cravos são inegáveis. Portugal tinha níveis de pobreza semelhantes aos dos países da América Latina, com índices imensos de analfabetismo, mortalidade infantil e desnutrição. Hoje é um dos melhores países para se viver na Europa, com um robusto sistema de bem-estar social, apesar dos ataques feitos nas últimas décadas. Isso não teria sido possível sem a mobilização dos trabalhadores em conjunto com soldados durante aquele frenético ano de 1974-75.
Em um momento em que a extrema direita cresce por lá, como no resto do mundo, através do fascistóide Chega, de André Ventura, atacando e negando o movimento revolucionário de 25 de abril, é preciso rememorar a contundente ação popular e sempre sonhar com novas revoluções do cravo. (por David Coelho)
"Grândola, Vila Morena", o verdadeiro hino de Portugal.
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