Fatos e flatos

4 de junho de 2019 441

Apenas uma letrinha a mais distingue duas palavras, fato e flato, de sentido completamente opostos, conforme releva Sérgio Rodrigues no artigo "Com base nos flatos", explicando "como um trocadilho grosseiro pode ajudar na salvação da humanidade" (Folha, 30/5). Os dois termos são de origem latina: fato vem de "factum", que significa o que realmente aconteceu, enquanto flato (sopro ou flatulência) é uma ventosidade anal e fétida que se espalha no ar sem direção, uma emissão de gases ou qualquer outra inflação, cheirosa, ruidosa, ou não.

            A semelhança lexical contrasta com o sentido: um fato é algo sólido, real, verdadeiro, porque pode ser provado; ao passo que o flato é o vazio, o inconsistente, o fruto apenas da imaginação que não resiste à evolução do tempo e ao raciocínio lógico de gente que pense com sua própria cabeça e de acordo com o progresso da ciência. Dando um exemplo: que o planeta Terra é redondo, girando vertiginosamente ao redor do Sol, sustentado pelas ondas gravitacionais, é um fato; que ele seja uma plataforma imóvel sobre as águas, entre o céu e o inferno, criada em sete dias por alguma divindade, é apenas um flato, baseado em relatos bíblicos de obscura origem.       

            Infelizmente, conforme os mais avançados estudos de psicologia cognitiva, a maioria dos seres humanos se apega mais a crenças, a palavras de presumidos profetas, a opiniões de líderes religiosos ou políticos do que à busca da solução de problemas existenciais, pois a razão é governada pelo desejo da sociabilidade, que prestigia os que estão na moda ou possuem o poder, independentemente se estarem certos ou errados. Como disse o médium  espírita Chico Xavier, "A verdade que fere é pior do que a mentira que consola". As redes sociais, curtindo face-news, estão aumentando a expansão do mundo da mentira, confundindo flatos com fatos. A salvação da humanidade está na prática do aforismo: "contra fatos, não há argumentos"!

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Salvatore D' Onofrio 
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP 
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
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