Eugenia

A matéria "Em defesa dos bebês" de André Lopes (Veja, 20/3) nos apresenta os estupendos avanços da ciência para termos filhos mais saudáveis. O monge austríaco Gregor Johann Mendel (1822-1884) é considerado o pai da genética. Suas duas obras "Ensaios com plantas híbridas" e "Hierácias obtidas pela fecundação artificial" se tornaram clássicas nos estudos biológicos. Pela manipulação de genes de animas e plantas ele conseguiu alterar o DNA de seres vivos, melhorando suas características. Técnicas semelhantes a que Mendel usou para modificar ervilhas, nossos geneticistas estão utilizando para experimentos em hibridação humana. O caminho vai longe e é difícil prever onde nos vai levar.
Por enquanto, o laboratório da reprodução humana nos possibilita alguns valiosos recursos: antes da fecundação (mapeamento genético do casal para detectar e prevenir doenças hereditárias), ao longo da gestação (exames rotineiros do feto pela análise do sangue materno) e após o nascimento (tratamento preventivo de doenças possíveis, conforme indicação do mapeamento genético). Para as próximas décadas estão previstos softwares de inteligência artificial que determinarão o momento e as condições ideais para uma gravidez responsável, laboratórios de embriologia para selecionar características físicas e psíquicas do bebê, útero sintético para amparar um embrião num parto prematuro, clonagem, fabricação e substituição de órgãos humanos.
Será que chegaremos ao "Admirável Mundo Novo", romance de Aldous Hukley, publicado em 1932, mas o enredo se desenvolvendo na cidade de Londres, no ano de 2540, quando a humanidade teria alcançada a mais completa civilização com filhos programados para atender às necessidade sociais, cada qual feliz na sua profissão e condição humana. Esta estória livresca é considerada um absurdo pelos críticos que se esquecem de que se trata de uma obra de ficção e a arte, como a religião, não está preocupada com a verdade existencial, a realidade, mas apenas com a imaginação, a fantasia, representando não o que é, mas o que gostaríamos que fosse. Diferentemente, a eugenia não é arte nem religião, mas uma ciência exata. Gostei muito da resposta que a mãe de um casal de gêmeos, fertilizados "in vitro", deu a gente devota que a condenaram pela triagem de embriões, contrariando assim os planos de Deus: "eu quis apenas garantir a sobrevivência de meus filhos".
Que "planos" divinos seriam esses? Deixar os gêmeos morrerem vítimas de uma doença genética? Causa estranhamento pensar que no século XXI ainda haja gente que acredita em ajuda divina, em milagres! Quem sempre tentou resolver os problemas do mundo não foi nenhuma divindade, mas o próprio homem pelo progresso da ciência e o desenvolvimento do intelecto. Não esqueçamos que a China se tornou uma grande nação com apenas duas medidas básicas: planejamento familiar e educação em tempo integral. Se um cidadão não trabalhar por falta de capacitação ou vagabundagem, outro terá que trabalhar dobrado para sustentá-lo pelo aumento de impostos. A caridade pública, de uma forma continuada, gera injustiça e violência na sociedade. O populismo não irá derrotar o capitalismo selvagem sem consciência de que o cidadão, alem de direitos, tem deveres a cumprir perante a sociedade que o abriga. E, a meu ver, o mais importante é não pôr seres humanos no mundo sem condições econômicas e psíquicas para educá-los convenientemente. É essa eugenia que distingue o Sapiens dos animais e de outros homens de cérebro pouco desenvolvido!
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
www.salvatoredonofrio.com.br
http://pt.wikisource.org/wiki/Autor:Salvatore_D%E2%80%99_Onofrio