ESTE FILME MARCOU O MOMENTO EM QUE A MINHA VIDA MUDOU PARA SEMPRE
O dia da desforra é um filme que sempre me faz recordar o momento decisivo da minha vida, quando, mal acabava de completar 18 anos, sai do lar familiar para correr mundo, correr perigo, conforme a canção do Caetano Veloso.
E se trata de um dos melhores westerns revolucionários italianos daqueles anos rebeldes. Seu diretor, Sergio Sollima, começara como crítico de cinema, entrou na Cinecittà como roteirista e assistente da direção e só aos 30 anos teve sua primeira chance dirigindo (ainda assim, apenas um dos segmentos de uma comédia erótica).
Já como único diretor, O dia da desforra (1966) seria seu quarto filme e o primeiro realmente bem-sucedido. Foi tão apreciado que até uma sequência teve, Corre, homem, corre (1968), a qual, contudo, não chegou a empolgar.
Também graças ao prestígio adquirido, Sollima ainda dirigiu outros dois filmes mais ambiciosos, o faroeste Quando os brutos se defrontam (1967), com Thomas Milian e Gian-Maria Volonté; e o policial Cidade Violenta (1970), estrelado por Charles Bronson.
Depois Sollima voltou ao ramerrão, deixando a impressão que poderia ter feito coisas melhores se lhe dessem os recursos e a liberdade de ação de que dispôs em O dia da desforra.
Ignoro o quanto do conteúdo revolucionário deste filme se deve a ele e quanto ao co-roteirista Sergio Donati, que colaborou com o grande Sergio Leone em duas de suas obras-primas, Era uma vez no Oeste (1968) e Quando explode a vingança (1971). Pelos trabalhos desenvolvidos por ambos como roteiristas, percebe-se que Donati estava mais familiarizado com enfoques politizados.
Cuchillo Sanchez (Tomas Milian) era um dos camponeses despertados para as lutas sociais por Benito Juárez. Depois que a revolução não vingou naquele momento (meados do século 19), havia se tornado um bandido de pequenas contravenções e pouca importância, até ser acusado do estupro e assassinato de uma menina de 12 anos.
Jonathan Corbett (Lee Van Cleef), ex-xerife e depois caça-prêmios, é pressionado pelo ricaço Brokston a sair no seu encalço, inclusive porque capturar autor de crimes tão repulsivos lhe aumentaria o prestigio.
Brokston se propunha a bancar a candidatura de Corbett a senador, para obter, em reciprocidade, apoio ao seu projeto de implantação de uma ferrovia entre EUA e México.
A perseguição se alonga porque Cuchillo é hábil e astuto. E coisas surpreendentes acabam vindo à tona, principalmente sobre o quanto os acontecimentos estavam sendo influenciados pela gritante desigualdade social no México, o que conduz a um desfecho que se dá, realmente, num grande tiroteio, conforme o título que o filme recebeu nos EUA.
Os dois atores principais estão perfeitos nos seus papéis, a trilha sonora de Ennio Morricone é simplesmente um arraso e o filme vale cada fotograma. Pena que Sollima (falecido em 2015, aos 94 anos) nunca mais tenha acertado na mosca, embora seu trabalho seguinte, Quando os brutos se defrontam, não haja ficado muito atrás.
Por último, explico o sentido do título que dei a este post. Em fins de fevereiro de 1969, prestes a ingressar na VPR, fui surpreendido com a queda de um companheiro que conhecia meu nome real e tinha como indicar à Oban meu endereço, então precisei sair às pressas de casa em plena madrugada para me colocar a salvo.
Com pouco dinheiro, passei uns 10 dias precariamente hospedado num hotel barato do centro velho de São Paulo, à espera do ponto que teria com o dirigente da VPR incumbido dos trâmites de integração do nosso grupo de oito secundaristas àquela organização.
Como a VPR atravessava um período tumultuado, de crise interna e prisões, só me restava aguardar pacientemente o encontro que havia sido marcado com intervalo bem maior do que o costumeiro.
Sem saber como seria a nova etapa que me aguardava e apreensivo com a possibilidade de minha identidade já ter caído (eu só trazia comigo os meus documentos autênticos), fui duas vezes ao pulgueiro que ficava quase na frente do hotel e exibia... O dia da desforra.
Por falta de coisa melhor para fazer, em ambas permaneci por várias sessões seguidas, ora assistindo ao filme, ora mergulhado em reflexões.
Não pensei nisto então, mas havia um perseguido na tela e eu começava a levar vida de perseguido, tendo de esconder quem era, mudar a aparência, evitar lugares onde me conheciam, andar pelas ruas sempre atento à possibilidade de alguém estar seguindo meus passos, etc. Foi uma amarga ironia ser logo aquele o filme exibido do outro lado da rua.
Ficou, assim, nas minhas lembranças como marco do exato momento em que minha vida mudou para sempre. (por Celso Lungaretti)
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