ESTAMOS NUMA DEMOCRADURA E AVANÇA CADA VEZ MAIS A CONTAGEM REGRESSIVA PARA UMA EXPLOSÃO SOCIAL

21 de novembro de 2019 384

Estamos próximos, no Brasil de hoje, daquilo com que sonhavam os golpistas de 1964, ao planejarem uma intervenção cirúrgica para eliminar a influência da esquerda nos Poderes da nação, nos veículos de comunicação, nos sindicatos, nas instituições de ensino e no movimento estudantil, principalmente, para em seguida devolverem uma democracia expurgada e reformatada.
 
Mas, o arbítrio que era para durar poucos anos acabou estendendo-se por 21, durante os quais, na verdade, só se poderia enxergar uma ditabranda (conforme pretendeu a Folha de S. Paulo, num dos editoriais mais infelizes de sua história) no período final, sob João Baptista Figueiredo (1979-1985). O leão já estava desdentado, após os sucessivos fracassos no front econômico lhe retirarem a última justificativa para sua existência, deixando a ditadura em agonia lenta.
 
A situação atual, contudo, lembra mais o período de 1965 a 1967, quando o furor subsequente à usurpação do poder deu lugar a uma espécie de resignação e pasmaceira, com a contestação ao regime sendo banida das ruas, praças e locais de trabalho, mas consentida na música popular, no cinema e no teatro (a resistência a eles era tão ínfima que os militares se davam ao luxo de vestir a fantasia de déspotas esclarecidos...). 
Aí tivemos a escalada de radicalização ao longo de 1968, culminando em dezembro com a assinatura do Ato Institucional nº 5, que iniciou o período mais extremado e bestial do regime militar.
 
Durante as trevas absolutas que vão da entrada em vigor do AI-5 até o final do mandato de Emílio Médici em março de 1974, foram 279 os oposicionistas assassinados (baseio-me no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, mas não levo em conta a divisão meramente formal entre aqueles cuja morte foi provada e aqueles cuja existência evaporou sem deixar rastros...) e acrescentaram-se mais 12 atos institucionais à legislação de exceção.
 
Já no período 1965/67  os atos institucionais foram apenas três e os assassinados, 12, em contraste chocante com o morticínio de 1964 (27 mortos!!!), quando a vitória da quartelada foi comemorada à moda dos selvagens.
 
A comparação com a democradura de hoje se impõe. 
 
Então, o sistema mudava leis e extinguia direitos consolidados a bel-prazer, contando com a conivência de um Congresso que fora domesticado por meio das cassações de mandatos que modificaram a correlação de forças e intimidaram os oposicionistas salvos da degola.
 
Agora, os parlamentares estão exultantes com o semi-parlamentarismo decorrente da inapetência para o cargo do presidente-bufão, que lhes permitiu herdarem o papel de principais executantes das determinações do poder econômico, enquanto ele próprio se ocupa de ninharias e baixarias.
Pasmem: os patrões do PT rezam pela mesmíssima cartilha!

As pressões sobre a cultura, a imprensa e as instituições de ensino são ainda maiores atualmente do que naquele intervalo histórico. 
 
O movimento estudantil até agora não sofreu repressão comparável, p. ex., à desencadeada quando da setembrada de 1966, mas ainda é cedo para soltarmos suspiros de alívio: 2020 se prenuncia um ano sujeito a intempéries, à medida que ficar claro para os brasileiros que as reformas neoliberais do Paulo Guedes produzirão aqui o mesmíssimo resultado que estamos constatando ultimamente no Chile (após anos e anos de retórica triunfalista dos mercadores de ilusões!).
 
Mas, a principal diferença entre o despotismo esclarecido de 1965/1967 e a atual democradura é que a esquerda brasileira efetuou então o processo mais aprofundado de crítica e autocrítica de toda sua história, questionando erros cometidos e atuações desastrosas, para daquela derrota acachante extrair todas as lições aproveitáveis, no sentido de sua ampla reconfiguração. 
 
Havia a consciência de que jamais poderia ser repetido fracasso tão humilhante quanto o da derrubada do governo João Goulart sem nenhuma resistência significativa por parte daqueles que até a véspera diziam que já estavam no poder (dou nome ao boi: o fanfarrão Luiz Carlos Prestes).
 
Hoje, pelo contrário, o PT conseguiu evitar que suas terríveis lambanças fossem colocadas em xeque em 2016, quando do impeachment de Dilma Rousseff, e ameaça repetir o feito agora, se o posicionamento stalinista do Lula a respeito da autocrítica prevalecer.

A autocrítica abortada de 2016 nos conduziu à entrega do poder à extrema-direita em 2018. A nova Operação Abafa nos levará aonde? 

A uma ditadura sanguinária explícita, como sonham Olavo de Carvalho e seus miquinhos amestrados? 

Ou a um despotismo esclarecido permanente, como poderia ter ocorrido caso a esquerda não houvesse redescoberto a combatividade perdida em 1968?
 
No fundo, nosso povo não sairá da dramática e degradante situação atual se a subjugação ao poder econômico for imposta com a vaselina do Legislativo e do Judiciário, muito menos se com o ferro em brasa dos inquisidores redivivos.
 
Ou forjamos uma nova esquerda, reciclamos nossa atuação e reassumimos o protagonismo político, ou assistiremos impotentes, de braços cruzados, à explosão social que inevitavelmente decorrerá dos rigores neoliberais que nos estão sendo enfiados goela abaixo. (por Celso Lungaretti)
 
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )