Especialista diz que não há estudos que corroborem ligação entre games e aumento da violência

15 de março de 2019 455

Em entrevista ao Globo, Salah H. Khaled Jr. afirma que para evitar a discussão de problemas sociais complexos, os games são usados como “bodes expiatórios”. Ele é autor do livro “Videogame e violência” (Civilização Brasileira) e coautor de “Explorando a Criminologia Cultural” (Letramento) — juntamente com Jeff Ferrell, Keith Hayward e Alvaro Oxley da Rocha.

Confira trechos da entrevista a seguir:

A tragédia de Suzano pode colocar os jogos de tiro na berlinda?

Sim. É possível que ocorra um grande episódio de pânico moral, uma definição que surgiu na criminologia na década de 1970. Diante de um massacre como o visto em Suzano, é tentador buscar soluções simples, identificar uma única causa para um problema complexo, e acreditar que, atacando-a isoladamente, uma tragédia não se repetirá. É isso o que fazem ao culpar os games, que são transformados em bodes expiatórios. Como o centro do debate é a vida de crianças, é provável que haja uma onda de repúdio contra tudo o que é percebido como ameaça, mesmo que de modo equivocado.

O que pode ter causado a tragédia?

Historicamente, somos consumidores de violência através de diferentes mídias: em filmes, livros, videogames. Por meio dessas representações narrativas, experimentamos as sensações que decorrem da prática de condutas criminais. Mas para alguns, este consumo pode não ser suficiente. Vivemos uma época de produção cultural inédita. Tomos nós nos transformamos em produtores de conteúdo, onde projetamos imagens idealizadas de nossas vidas. É neste contexto que surge o que pode ser definido como uma vontade de representação: o desejo de protagonizar condutas criminais e ser admirado por elas. Existem muitas recompensas subjetivas para a prática de crimes.(…)

Há, então, um incentivo para a violência por meio destes jogos?

Como muitos já teorizaram, a violência do game pode ser uma válvula de escape para a violência real. O jogador, ao atirar em um adversário virtual, não experimenta a sensação de que mata outra pessoa. Esta ação é experimentada como algo lúdico, uma vitória sobre o antagonista. É extremamente satisfatória, libera dopamina, a área do cérebro ligada ao prazer, como ocorre quando comemos chocolate, tiramos uma boa nota em uma prova ou fazemos sexo.

De fato, existe uma mercantilização da questão criminal: o capitalismo transformou o crime em um produto que é consumido por todos nós. Mas isso não quer dizer que produtos culturais provocam crimes. Entraríamos em um debate sobre censura e liberdade de expressão artística e os estudos mais qualificados dizem que a fantasia, da literatura ao game, é uma espécie de catalisador estético, e não de motivação. A violência decorre das situações e frustrações da vida real.

(…)