E AGORA, LULA? MIMANDO OS PODEROSOS E FERRANDO OS IDEALISTAS, VOCÊ VAI ACABAR SOZINHO NO ESCURO, QUAL BICHO DO MATO!
28 de maio de 2024
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A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
E agora, José?"
(Drummond)
A longa greve da Educação Federal contra o garrote financeiro que lhe está sendo imposto pelo governo conservador do Lula me faz lembrar o início de 1968, quando a mobilização estudantil tinha como principal bandeira a resistência aos acordos firmados pela ditadura militar com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).
Era, claro, uma batalha de antemão perdida sob um capitalismo que cada vez mais queria extirpar a componente humanista do ensino e a reflexão crítica sobre a sociedade, passando a formar meros cumpridores de ordens, apertadores de parafusos com formação superior que mantivessem o sistema funcionando.
No longo prazo, evidentemente, o nosso lado saiu derrotado. Não só o pensamento crítico está cada vez mais confinado a um pequeno universo de estudantes que ainda anseiam por algo além de status e grana, como até em incubadoras de fascistas uma parte das escolas está em via de ser transformada pelo governador paulista Tarcísio de Freitas, provável sucessor do palhaço sinistro à frente da extrema-direita bolsonarista.
Mas, daquele tímido começo nas manifestações contra o assassinato do estudante Edson Luís Souto em março de 1968 resultou o último grande ano das lutas pela superação do capitalismo no Brasil (que esteve próximo de ser bisado em 2013, quando, contudo, não teve fôlego para ir tão longe). Aquele foi um impulso tão poderoso que alimentou a heroica resistência armada à tirania do período 1969-1972) e a afirmação de vários movimentos identitários.
O quadro é muito pior hoje, nos estertores de um capitalismo que esgotou sua vida útil e ora se mostra não só impotente para fazer a economia mundial voltar a crescer significativamente, recuperando sua vitalidade, como até mesmo para evitar a progressiva desintegração da sociedade.
Tal cenário de pesadelo acaba de inspirar ao jornalista Leonardo Sakamoto aquele que talvez seja o melhor artigo de sua carreira: Tragédia no RS é aviso sobre a derrocada da sociedade com a mudança do clima (vide aqui), no qual ele toca em cheio na ferida:
"Nas próximas décadas, teremos milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos; fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar.
Muita gente vai morrer no Brasil e no mundo. E os sobreviventes terão que adaptar sua vida para conviver com um ambiente mais hostil e violento".
Há muito eu vinha advertindo que esta situação chegaria. No livro Vida contra Morte, escrito entre 1953 e 1956 por Norman O. Brown e lançado no Brasil em 1972, prestei muita atenção numa conclusão assustadora, mas que era sustentada com brilhantismo por sua análise: a de que, tendo seu crescimento sido travado por aquelas contradições que Marx já detalhara no século retrasado, o capitalismo se voltaria contra si mesmo e contra a sociedade que o engendrou, sendo capturado pelo instinto de morte e passando a expressá-lo.
E assim venho constatando, ao longo de meio século, que as alterações climáticas se tornaram cada vez mais ameaçadoras, com as projeções de avanço do aquecimento global sendo superadas ano a ano; e que os tradicionais cavaleiros do apocalipse, a guerra, a fome e a peste, voltam a nos assombrar com força total.
Mas, mesmo tendo sido recentemente exterminados em larga escala pela covid e estando agora às voltas com um dilúvio, continuamos resistindo à constatação de que o caos social veio para ficar e o Brasil como o conhecíamos deixou de existir.
Doravante a espécie humana estará cada vez mais lutando por sua sobrevivência, com risco real de ser extinta ainda neste século e a necessidade de direcionar, com máxima urgência, seus melhores esforços para a eliminação de vilões óbvios como os combustíveis fósseis e o desmatamento.
O certo é que o tempo desperdiçado até agora nos condena a sofrer durante muitos anos as consequências de nossa insensatez; e que, se não começarmos a acertar o passo o quanto antes, chegará um momento em que nada mais vai adiantar e a aventura humana sobre a terra terá fim.
A presidência da República está emparedada e achatada entre o Senado e a Câmara que a tutelam
O que fazermos, então? Marcharmos resignados para o matadouro ou lutarmos com todas as nossas forças para ao menos minorar a devastação que vem por aí e, se conseguirmos garantir a sobrevivência de contingentes humanos, começarmos a reconstruir a nossa civilização sob uma perspectiva diferente?
INIMIGO FIGADAL DA ESQUERDA COMBATIVA
Mas, podem indagar os leitores, o que tudo isto tem a ver com as iniciativas governamentais para esvaziar, pelo estrangulamento financeiro, a educação para o exercício pleno da cidadania no Brasil, tornando o ensino superior atual um versão piorada dos liceus de artes e ofícios de outrora?
Comecemos pelo fato de que, como bem o David Coelho denunciou em dois ótimos artigos (este e este), há no episódio uma nítida rendição do governo federal às posições conservadoras e mesmo reacionárias:
— seja porque Lula venha sempre sendo, desde as longínquas greves do ABC, um inimigo figadal (ainda que dissimulado) da esquerda combativa, nada além de mais um reformista tentando em vão minorar a desumanidade do capitalismo;
— e/ou porque, optando por prostrar-se ao grande capital e comprar a governabilidade cedendo a todas as chantagens do centrão, não lhe sobram recursos orçamentários para atender as demandas do próprio eleitorado do PT, em áreas fundamentais como educação, saúde e políticas ambientais.
É exatamente por causa do viés cada vez mais direitista do Governo Lula e de sua escandalosa união de forças com os inimigos do saber que nossa vitória nas greves atuais me parece tão improvável quanto nas que travamos em 1968 contra os acordos MEC-Usaid.
Contudo, trata-se também de uma luta que aponta na direção certa: a de nos prepararmos para os confrontos muito mais difíceis e decisivos que travaremos adiante, na luta pela sobrevivência da civilização em meio ao caos e sob os ataques da barbárie.
Inclusive a de que entre o Governo Lula e a esquerda existe hoje um abismo nas intenções e nos atos. Quanto antes nos cair tal ficha, menos tempo precioso atiraremos na lixeira. (por Celso Lungaretti)
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Fonte:
CELSO LUNGARETTI
