Debate não será decisivo, mas pode conter velocidade de Bolsonaro
O último debate da campanha, na TV Globo, foi um peça política manca, pela ausência do líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro. Mas a própria ausência, tão criticada pelos concorrentes, especialmente os da esquerda, pode levar a uma redução da velocidade de seu crescimento, contribuindo para que haja segundo turno. No Datafolha de segunda-feira, Bolsonaro tinha 28%. Ontem (4), ele chegou a 35%, após crescer 7 pontos em cinco dias. Este ritmo é que poderá ser contido pela exposição negativa de ontem.
É bem verdade que, fugindo ao debate, ele deu entrevista quase simultânea na TV Record e fez uma transmissão por Facebook. Mas quem deixou de ver um debate para assisti-lo já era convertido, e com isso ele nada ganhou.
As críticas pela ausência vieram mais forte dos candidatos da esquerda mas também dos de centro-direita, como Meirelles e Alckmin. Marina Silva disse que Bolsonaro “amarelou”, fugindo do debate e indo dar entrevista a outra emissora, embora tenha invocado sua recuperação da facada para não comparecer. Haddad afirmou que os direitos sociais corriam risco com a eventual eleição de Bolsonaro, e ao perguntar a Guilherme Boulos, do PSOL, se concordava com isso, deu-lhe a deixa para a intervenção mais veemente da noite, aplaudida pela plateia, que o moderador William Bonner precisou reprimir.
- “Não dá para a gente fingir que está tudo bem. Nós estamos há meses fazendo uma campanha que está marcada pelo ódio. Faz 30 anos que esse país saiu de uma ditadura. Muita gente morreu, muita gente foi torturada, tem mãe que não conseguiu enterrar seu filho até hoje....(...) Faz 30 anos mas acho que a gente nunca esteve tão perto disso novamente. Se você vai poder votar no domingo, é porque teve gente que deu a vida para isso. Sempre começa assim. Arma, com tudo se resolve na porrada, que a vida do ser humano não vale nada. Eu acho que nós temos que dar um grito nesse momento, botar a bola no chão e dizer ditadura nunca mais."
Na réplica, Haddad agradeceu-lhe pela advertência feita ao país. Agradecimento justo pois, se Bolsonaro for contido, ele é que irá ao segundo turno, segundo as pesquisas. O petista teve sua melhor participação em debates, em sua curta campanha, apresentando-se ontem mais ofensivo e mais firme, mais focado na defesa do conjunto da obra dos governos petistas, mas procurando também destacar sua própria história e personalidade, embora evocando sempre o ex-presidente Lula, declarando sua prisão injusta e destinada a inviabilizar sua participação num pleito que venceria. Haddad foi muito criticado pela demora em construir sua própria persona mas ontem ele fez isso corretamente, lembrando suas origens (neto de líder religioso e filho de um pequeno agricultor), ser professor universitário, ter uma trajetória digna e ética.
O candidato do PDT, Ciro Gomes, também esteve menos agressivo em relação ao petista, poupando-o das críticas que vem fazendo ao PT. A uma pergunta do petista sobre os conflitos ambientais do agronegócio, Ciro disse que é preciso ter força política “para enfrentar o fascismo e a radicalização estúpida que o Bolsonaro representa”. A campanha de Ciro lançou ontem um movimento de reta de chegada, através da hashtag #tsunamiCiro. No encerramento, ele fez um candente apelo aos eleitores para que lhe deem a chance de ir ao segundo turno, onde teria mais condições que todos, segundo as pesquisas, de derrotar Bolsonaro. A tsunami teria que ser muito forte, fazendo com que saltasse à frente do petista.
>> Datafolha: Bolsonaro cresce e chega a 35% das intenções de voto
Marina Silva também atacou o ausente, mas também a polarização petismo x antipetismo, representada por Haddad e Bolsonaro. Ao interagir com Ciro, atacou os “salvadores da pátria”, obtendo a concordância do pedetista. O voto pentecostal ajudou a formar o arrastão que vem fazendo Bolsonaro crescer e ela, que é evangélica, tentou capturá-lo, no discurso final, apresentando-se como “a pacificadora”, aquela que teria melhores condições de unir o país. Como não conseguiu fazer isso antes, dificilmente o conseguirá agora, nas horas finais.
Geraldo Alckmin, do PSDB, também teve uma de suas melhores participações, destacando suas realizações no governo de São Paulo e batendo duro no PT, por casos de corrupção e supostos erros na gestão das contas públicas. Mas era tarde para ele, bem como para Meirelles, que se concentrou em vender suas qualidades como gestor, e para Alvaro Dias, a figura patética do debate, seja por sua desorientação mental, descumprindo tempo e regras, seja por seu discurso monocórdio, apresentando o combate à corrupção como solução para todos os problemas.
A ausência de Bolsonaro, entretanto, foi precedida de uma vacina junto a seus eleitores, o atestado dos médicos. Ele foi criticado mas em tom muito mais ameno do que o empregado pelos concorrentes de Lula, em 2006, quando ele decidiu, de última hora, faltar ao debate da Globo. A emissora deixou uma cadeira vazia no cenário, para destacar a ausência, e contra ela todos vociferaram.
Lula perdeu votos com isso e acabou não ganhando no primeiro turno, como previam as pesquisas. Bolsonaro pode não perder votos já conquistados mas talvez pare de crescer, já que se recusou a dizer a que veio, para eleitores indecisos até agora.
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A POLITICA COMO ELA é (POR : TEREZA CRUVINEL)
Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação - EBC - e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247; E colaboradora do site www.quenoticias.com.br