DAVID EMANUEL COELHO: "O IMPEACHMENT APENAS ACELEROU A DETERIORAÇÃO DE UM REGIME JÁ FALIDO"

19 de maio de 2018 627
DO "GOLPE" AO AUTO-ENGANO
 
"Aventura custou caro"
Faz dois anos que Dilma Rousseff deixou o poder, afastada provisoriamente da presidência da República enquanto transcorresse o processo de impeachment aberto contra ela; depois, no último dia de agosto, tal afastamento se tornou definitivo.
 
Um breve balanço deste período mostra que a aventura custou caro a seus participantes e longe de trazer estabilidade ao regime moribundo, serviu para ampliar a crise terminal. 
 
Por que Dilma caiu? É uma questão complexa e não permite uma resposta simplista. Um ponto, no entanto, deve ser pacífico: Dilma não caiu porque estivesse enfrentando o grande capital ou representasse um perigo de transformação política e social.  Escribas do lulopetismo podem pintar a ex-presidente como se fosse encarnação de Allende, mas a realidade é muito distinta. 
 
O governo Dilma seguia à risca o receituário burguês e levou mesmo o pacto lulista ao paroxismo, dominando nada menos que 70% do Congresso Nacional antes dos levantes de Junho de 2013. No entanto, os efeitos da crise internacional começavam a ser sentidos no Brasil. 
 
Tudo piorou após as manifestações de 2013, quando ficou evidente o esgotamento político, econômico e social da chamada Nova República. O governo Dilma começou a pairar no ar, sendo aos poucos emparedado pela oposição conservadora. O resultado foi um impasse político profundo que travou o sistema institucional e impediu a burguesia brasileira de avançar com seu projeto de contrarreformas. 
"Dilma tentou tocar as contrarreformas exigidas"

Em nenhum momento o governo Dilma rompeu ou afrontou as determinações da burguesia. Muito ao contrário, tentou tocar as contrarreformas exigidas, parando, porém, no antagonismo da oposição e das facções fisiologistas do Congresso Nacional. 
 
O impeachment veio como uma tentativa de destravar o sistema político, retirando de cena o lulopetismo decadente e abrindo espaço para a ascensão dos agrupamentos fisiológicos e da oposição conservadora.
 
Num primeiro momento a manobra funcionou, com parte das contrarreformas avançando. Alçado à presidência estava um fisiologista típico, Temer. Sem nenhum ideal ou projeto de sociedade, sem nenhuma ideologia que não a realização de seu próprio interesse particular e do de seus cupinchas, o novo presidente obedeceu integralmente as ordens da burguesia nacional e mandou tocar os projetos que Dilma não tinha conseguido levar adiante. 
 
No entanto, uma espécie de maldição do impeachment abateu-se sobre seus realizadores e, como se fossem punições das Erínias, um gosto amargo de derrota começou a se apoderar dos vencedores. A começar de Eduardo Cunha, artífice do impeachment. Cassado logo em seguida, foi preso e hoje apodrece na prisão, quase ostracizado. 
 
 
 
 
"Eduardo Cunha hoje apodrece na prisão"
O PSDB, indutor do impeachment, rachou em vários grupelhos brigando entre si. Seu principal líder à época, Aécio Neves, foi pego em escutas pedindo propina e armando a morte de seu próprio primo. 
 
Tanto MBL quanto Revoltados Online perderam relevância. O primeiro, para sobreviver, abraçou um moralismo beato e agora corre risco de extinção com o prometido combate às fake news pelo Facebook. Já Revoltados Online foi praticamente eliminado após sua página ser banida do Facebook e seu líder cair em dívidas e denúncias. 
 
O PMDB passou a frequentar mais e mais as páginas sobre corrupção e vive em permanente ameaça de ver grande parte do partido preso. 
 
E o que dizer de Temer, o vice traidor? Tendo sempre uma popularidade irrisória, foi pego em gravações e precisou se desdobrar para não cair. Seu governo hoje praticamente não existe, tendo ele, ironicamente, virado um presidente figurativo. 
 
Mesmo para a burguesia nacional as coisas não saíram tão bem como planejado. Grande parte das contrarreformas continuam travadas, operações contra corrupção desbarataram lucrativas negociatas e suas facções batem cabeça sobre o caminho a ser tomado. 
"O cenário de crise econômica persiste"

O cenário de crise econômica persiste, com desemprego alto e baixa produtividade. O alto custo de vida e o baixo consumo persistem sendo problemas graves. Ou seja, nem mesmo a propalada retomada econômica aconteceu, apesar da celebração de pequenas vitórias por parte da mídia financista.
 
No entanto, se as coisas não correram tão bem para os vitoriosos, não foi muito diferente para os derrotados. No que poderia parecer impossível, os derrotados pelo impeachment conseguiram aprofundar sua derrota. 
 
O PT, longe do cofre, definhou enquanto força política. Seu líder foi preso e o destino do partido continua selado junto ao destino dele, rumo à irrelevância. Após tentar emplacar dezenas de mobilizações e campanhas, todas inócuas, o partido conseguiu apenas galvanizar em seu redor partidos de esquerda decadentes, com militantes que já eram simpatizantes do lulopetismo. A massa trabalhadora, cada dia mais, se afasta em definitivo do partido. 
 
O próprio sistema político ampliou sua decadência após o impeachment, com o aumento exponencial de votos nulos e abstenções, além da crescente indiferença e descrença popular frente à democracia e às instituições estatais. 
 
Mesmo o poder Judiciário, que tinha forte apelo popular, vem perdendo prestígio graças aos combates fratricidas no STF e aos limites cada vez mais claros de sua atuação. 
"Uma desmoralizante intervenção militar no RJ"

Até mesmo as Forças Armadas não podem celebrar nada, pois enfiadas numa desmoralizante intervenção no Rio de Janeiro, além de terem de lidar com as lembranças reavivadas do passado ditatorial. 
 
Para onde se olha, o cenário pós-impeachment mostra um país em profunda crise, sem que sequer se vislumbre uma saída. Ao contrário do passado, até mesmo recaídas autoritárias se apresentam problemáticas na medida em que historicamente deslocadas e em contradição com as aspirações neoliberais de grande parte da burguesia nacional. 
 
O impeachment, na verdade, se mostra como um ponto de aprofundamento da crise do regime e não de sua inflexão. Ao contrário do impeachment de 1992, o de 2016 serviu não para apaziguar o país e colocá-lo em nova rota, mas para acelerar a deterioração de um regime já há mais de dois anos falido. (por David Emanuel de Souza Coelho)
 
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )