Daleste 10 anos: área de Campinas onde MC foi morto tem avanços estruturais, desafios e silêncio sobre crime: 'Marcou a história'

4 de julho de 2023 259

 Quem matou MC Daleste? Bairro onde funkeiro foi morto ainda convive com a lei do silêncio

Avanços estruturais, relatos de desafios e silêncio sobre a morte de MC Daleste. Em uma década, a região do CDHU Martin, em Campinas (SP), apresentou uma série de mudanças, como a expansão de apartamentos, multiplicação dos comércios e a chegada de equipamentos públicos para saúde e educação, embora a população indique insuficiências. O olhar ressabiado e a opção por mudar de assunto, contudo, são as reações em regra às perguntas sobre memórias do assassinato do funkeiro.

Daniel Pedreira Sena Pellegrini, de 20 anos, foi baleado enquanto cantava para um público estimado em 5 mil espectadores sobre um palco improvisado em carreta durante uma quermesse. O crime ocorreu em 6 de julho de 2013, e o músico morreu na madrugada seguinte, no Hospital de Paulínia.

"Marcou a história [...] Esse foi o maior show que essa região recebeu e depois dele não aconteceu mais nenhum show nessa proporção", destacou o educador social Sandoval Donizete Brito, de 52 anos, morador do San Martin desde 1977.

 

Funkeiro MC Daleste morto durante show no Parque San Martin em Campinas — Foto: Divulgação / Facebook do artista

Funkeiro MC Daleste morto durante show no Parque San Martin em Campinas — Foto: Divulgação / Facebook do artista

Nesta semana, o g1 apresenta a série de reportagens "Herói da favela e ferida do sistema". São cinco conteúdos especiais até 7 de julho, entre eles, entrevistas com o delegado e promotor que atuaram no caso, pesquisadores, a criadora do principal fã clube do MC, além da irmã do músico.

Sandoval Brito, na área onde ocorreu a morte de MC Daleste em 2013 — Foto: Fernando Pacífico/g1

Sandoval Brito, na área onde ocorreu a morte de MC Daleste em 2013 — Foto: Fernando Pacífico/g1

Onde foi o crime?

A área exata onde o veículo ficou parado para o show na esquina da Rua Pedro Alves é retratada de maneira detalhada por Brito, embora o conjunto de apartamentos tenha mudado de cor ao longo da década e passado de tom amarelo para verde. Há dez anos, contudo, a maior referência de trânsito na área era a Avenida Comendador Aladino Selmi, com 4,6 km da Avenida Minasa até o trecho da Rodovia D. Pedro I (SP-065), e a via consta como indicação de local dos fatos no inquérito da Polícia Civil.

O educador social atua como diretor-presidente do Instituto Cidas, organização não-governamental voltada para ações de apoio social à comunidade. Segundo ele, os espaços à época preenchidos por fãs de Daleste no show deram lugar ao Centro de Educação Infantil Professora Amélia Pires Palermo, entregue pela prefeitura em abril de 2016. Além disso, as vias do entorno, incluindo a provável direção de onde partiram os disparos contra o MC, foram tomadas por lojas, supermercados e serviços.

Imagem registrada à época da constituição sobre a morte de Daleste — Foto: Marcello Carvalho/g1

Imagem registrada à época da constituição sobre a morte de Daleste — Foto: Marcello Carvalho/g1

Segundo ele, a falta de um desfecho sobre o caso repercutiu em estigma sobre violência na região.

"Isso impacta muito na comunidade, você ter um crime que teve notoriedade nacional e a gente até hoje não tem nenhuma resposta da própria polícia. Existiu na época um monte de boato, mas nenhum se concretizou [...] Então a gente ficou meio que sem saber o que pensar [...] as pessoas que na época aqui estavam têm muito medo de falar e tocar nesse assunto porque é uma ferida ainda que está lá ela ela não está totalmente cicatrizada", explicou Brito.

Uma das pessoas do bairro que preferiu não ser identificada relatou surpresa com o fato da reportagem não ter sido "acompanhada" durante as entrevistas. "Cheguei aqui no dia seguinte [ao crime] e me perguntaram: 'Você viu o que aconteceu com o Daleste?'. Ninguém fala", comentou.

Placa com mensagens ao lado de creche na região onde MC Daleste foi morto em 2013 — Foto: Fernando Pacífico/g1

Placa com mensagens ao lado de creche na região onde MC Daleste foi morto em 2013 — Foto: Fernando Pacífico/g1

Quase ida ao show e reivindicações

Moradora da região há quase uma década, a agente comunitário de saúde e conselheira tutelar Olivia Ornelas disse que deixou de ir ao show de Daleste, em ascensão no funk ostentação, por imprevisto.

"Eu lembro que era uma época de festa junina e estavam tendo várias confraternizações na região. Na época ia ter um show aqui, a atração principal seria o Daleste e aí estava todo mundo mobilizado pra vir pro show. Aconteceu um contratempo, acabei recebendo convite pra ir em outro evento [...] Marcou né? Ele era uma atração na época, um jovem com a carreira em ascensão", falou.Para ela, a morte do funkeiro não repercutiu em insegurança entre moradores, mas ela destacou que é preciso mais investimentos na região, sobretudo voltados para a população jovem na área de cultura.

"A gente tem poucos centros de convivência e há uma demanda enorme de jovens e crianças que ficam ociosas aqui o dia inteiro? Conheço poucos jovens que estejam com alguma intervenção artística [...] tem pouquíssimo incentivo e isso dificulta o desenvolvimento", ressaltou.

Olivira Ornelas é moradora da região do San Martin, em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1

Olivira Ornelas é moradora da região do San Martin, em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1

Divergências

A irmã de Daleste, Carol Pellegrini, sustenta que o evento era autorizado, embora a prefeitura tenha divulgado à época e mantido a posição de clandestino, logo, sem autorização e alvará. À época do caso, diz nota, o setor de fiscalização do município não localizou responsáveis pelo show de funk.

Segundo a administração foram realizadas "várias iniciativas de impacto positivo na região da Vila San Martin, com urbanização, infraestrutura e asfalto para todos os núcleos da região, somadas à ações de proteção ambiental e combate a enchentes", mas no entorno imediato do CDHU San Martin, "infelizmente, não há áreas disponíveis para a instalação de equipamentos públicos".

"Mas há uma extensa rede na região que atende a comunidade do empreendimento habitacional", pontua o Executivo, citando o vice-prefeito e secretário de Relações Institucionais de Campinas, Wanderley de Almeida.

A Prefeitura ainda destaca que há oferta de atividades culturais e educacionais por meio do Centro de Arte e Esportes Unificados (CEU) Estação Cidadania “Thaís Fernanda Ribeiro”, na Vila Esperança, e que há três praças que atendem a comunidade do San Martin.

A Praça no San Martin, na Avenida Aladino Selmi com Rua Prefeito Celso Daniel, com parquinho e academia, entre outros espaços.

  • A Praça Dalva de Oliveira, no Residencial Campo Florido, bairro próximo ao San Martin, com academia, parquinho paisagismo, campo de areia, na Rua Gilka Machado.
  • A Praça Jardim das Folhas Sagradas, no Jardim Mirassol, outro bairro próximo ao San Martin. Tem parquinho, quadra, academia, na Rua João Carlos.

Área de acesso ao CDHU San Martin, em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1

Área de acesso ao CDHU San Martin, em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1

Funk ostentação

O funk ostentação mistura a batida do funk carioca com letras sobre bens materiais. Em vez de ousadias sexuais, os temas são artigos de preços elevados: carros, motos, óculos, roupas e bebidas.

No início da carreira, Daleste causou polêmica ao cantar o estilo "proibidão", letras com referências a atos de violência, sexo e drogas, como em "Apologia", com o trecho "matar os policia é a nossa meta".

Área do CDHU San Martin, em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

Área do CDHU San Martin, em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

 

 

Fonte: Por Fernando Pacífico, g1 Campinas e Região