CRISE ENTRE MILITARES E GILMAR MENDES: HÁ SEMELHANÇAS COM A DO AI-5. MAS TAMBÉM UMA ENORME DIFERENÇA

15 de julho de 2020 400
elio gaspari
FALA DE GILMAR MENDES PODE SER
USADA PARA ALIMENTAR UMA CRISE
Em abril do ano passado, quando era ostensiva a participação de militares na administração civil de Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse o seguinte: 
"Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação".
Entregar o que prometia, o capitão sabe que não entregará. A pandemia e suas superstições confirmaram sua previsão de março: 
"Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo".
Mourão acredita que o ministro Gilmar Mendes forçou a barra quando disse que, com a conduta do governo diante da pandemia, o Exército está se associando a esse genocídio
 
Gilmar tem uma queda pelo exagero. Se tivesse dito que o Exército está sendo associado a uma ruína, o vice-presidente não poderia se queixar, pois estaria seguindo o raciocínio que ele enunciou há um ano.
 
 
O Ministério da Saúde não tem titular. O general Eduardo Pazuello é um interino e na sua equipe há 24 militares. Com suas certezas epidemiológicas, Bolsonaro jogou-os na fogueira. Nelson Teich, paisano, foi-se embora.

Pinçado, o trecho da fala de Gilmar foi repelido pelo ministro da Defesa e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea: 
"Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana".
Se o caso ficasse nisso, seriam salvas trocadas, mas o Ministério da Defesa informa que representará contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República.
 
Foi assim que nasceu o Ato Institucional nº 5.
 
Uma conspiração palaciana manipulou um discurso (irrelevante) do deputado Márcio Moreira Alves para que o governo pedisse licença à Câmara para processá-lo. No dia 12 de dezembro de 1968 o plenário negou o pedido e no dia seguinte o marechal Costa e Silva baixou o ato. Foram dez anos de ditadura escancarada, torturas e extermínio...

...As duas semanas de recesso do Judiciário permitem que se jogue água nas cabeças quentes. Mesmo assim, a fala de Gilmar pode ser usada para alimentar uma crise. Para isso os golpistas precisam dizer que o que eles querem é uma ditadura. (por Elio Gaspari) 
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Toque do editor — Numa avaliação superficial, o enredo de 1968 parece mesmo possível de repetir-se em 2020. 
 
Mas Gaspari esquece que a ditadura militar não se defrontava com uma crise econômica nem remotamente comparável com aquela para a qual nos encaminhamos e, ainda por cima, acreditavam que os EUA a ajudariam a sair do buraco.
 
Agora, além de as perspectivas serem muitíssimo piores, há a certeza de que Donald Trump não nos dará nenhum auxílio substancial, muito menos Joseph Biden quando o suceder. Então, se os militares derem um golpe, vão ficar num mato sem cachorro e serão vistos como culpados por tudo que estiver dando errado.
 
Então, melhor fará Gilmar Mendes se esvaziar este episódio inconveniente, esclarecendo um pequeno detalhe: o de que o praticante do genocídio se chama Jair Bolsonaro e os militares apenas erraram por levar seu sentimento de lealdade ao presidente muito além do que o bom senso recomendava.  
Quanto aos fardados, eles deveriam é distanciar-se imediatamente do governo e o deixarem desabar sozinho.

Afinal, justiça lhes seja feita, eles não concordaram com quase nenhuma das infindáveis lambanças e loucuras cometidas pelo presidente genocida, apenas foram impotentes para evitá-las.

Chegou a hora de lhes cair a ficha de que Bolsonaro continua tão tresloucado agora quanto o era em 1988. 

Fizeram muito bem em discretamente apontar-lhe o portão de saída daquela vez e erraram ao apostar que três décadas teriam bastado para ele criar juízo. 
 
Enquanto insistirem nesse erro, não poderão queixar-se da falastronice do Gilmar Mendes. (por Celso Lungaretti)  
 
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )