Cláusulas pétreas

9 de fevereiro de 2019 479

            Muito oportuno o artigo "Limites às reformas" do ministro Ricardo Lewandowski (Folha, 4-2), lembrando a diatribe entre os dois filósofos gregos do sexto século a.C: Heráclito de Éfeso, que afirmara a natureza mudável da realidade, o famoso "pantarrei" (tudo flui, escorre, se transforma), usando a bela imagem de que ninguém consegue se banhar uma segunda vez nas mesmas águas de um rio, e Parmênides de Eléia que, contrariando seu contemporâneo, sustentava a imutabilidade essencial das coisas. Os dois conceitos, da mudança e da permanência, se aplicados aos ordenamentos jurídicos, longe de serem opostos, devem ser considerados relativos, pois sujeitos à influência do tempo e do espaço. As leis são feitas por homens falíveis por natureza e movidos por interesse de classes sociais, não atendendo às necessidades do povo em geral, como se pensa. Por isso, deveriam ser reformadas de vez enquanto, atendendo a novas realidades e à evolução de nossa inteligência.

            Nossa Constituição de 1988, por ter sido elaborada após o regime militar, impôs várias normas para a salvaguarda de direitos individuais de cidadãos ofendidos por abusos da ditadura. São as chamadas "cláusulas pétreas" que, se de um lado protegem a liberdade de pessoas ou categorias sociais, de outro lado causam muito dano à coletividade por favorecerem bandidagem, corrupção, privilégios. Exemplifico com a lei da presunção de inocência, que proíbe a prisão de um político ou outro facínora condenado em segunda instância. Esses réus, tendo poder ou dinheiro para sucessivos recursos a instâncias superiores, procrastinam "ad infinitum" a execução de penas.  Nossas câmaras legislativas e gabinetes de executivos abrigam vários elementos desse naipe. A meu ver, as cláusulas pétreas deveriam visar o bem do povo em geral e não de indivíduos. Uma delas deveria ser a  lei da responsabilidade fiscal (LRF), a quintessência do sucesso da vida em sociedade, que proíbe gastar mais do que se arrecada. Se essa norma jurídica fosse severamente posta em prática por gerentes de instituições públicas, não teríamos tantas crises econômicas que castigam estados, municípios, clubes sociais ou esportivos!

 
           

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Salvatore D' Onofrio 
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP 
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
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