CDS quer Parlamento a comemorar o dia “que é mais do que uma data”
A intenção é que, anualmente, se celebre o dia 25 de novembro de 1975, com uma sessão solene no Parlamento. O pedido é feito pelo CDS-PP, que marcou para hoje um agendamento potestativo sobre o tema. Esse dia, dizem os centristas, é “mais do que uma data numa cronologia”, é o “momento decisivo em que a mudança segue”, de forma irreversível, “para uma democracia liberal de modelo ocidental”. Por isso, os deputados Paulo Núncio e João Almeida não querem deixar o dia continuar a passar despercebido. Afinal, argumentam no projeto de deliberação entregue no Parlamento, “o processo democrático em Portugal”, iniciado no 25 de Abril, “apenas conseguiu encontrar a sua normalidade e a evolução para o sistema que vigora atualmente” após o 25 de novembro.
Apesar de o assunto só ir a plenário esta terça-feira, esta intenção já tinha sido anunciada pelo líder do CDS-PP (e ministro da Defesa Nacional), Nuno Melo. No final do 31.º congresso do partido, em Viseu, o dirigente anunciava que o Governo vai criar uma comissão para estas comemorações - uma cerimónia, que quer “plural e justa, feita de militares e civis”. Além disso, lembrou, o CDS celebra a data “todos os anos” e, com isso, tornou-se um traço “quase identitário” para os centristas.
Desfecho é incerto. Mas direita deve aprovar a ideia
O sentido de voto dos partidos não é, para já, conhecido. Mas declarações e posições passadas sobre o tema podem dar uma indicação sobre o desfecho desta proposta do CDS.
A 28 de março deste ano (ou seja, ainda sem o Governo em funções), a Iniciativa Liberal, na conferência de líderes parlamentares, sugeriu que a celebração do 25 de novembro devia ser incluída “nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril” (ou seja, em moldes diferentes dos agora propostos). O Chega concordou com a ideia, tal como o CDS. O deputado Paulo Núncio reiterou o interesse dos centristas em celebrar a data “com dignidade” em sede parlamentar.
À esquerda, PCP e BE defenderam, respetivamente, que “o que interessa é comemorar o 25 de Abril” e que as duas datas “não são comparáveis”. Pelo PS, o deputado Pedro Delgado Alves recordou que celebrar a data “não tinha reunido consenso” e que o calendário das comemorações dos 50 anos de Abril “estava definido”. No entanto, “revisitar a questão” noutro momento ou contexto é algo que os socialistas assumem.
O PSD esteve também na reunião, mas a súmula da conferência disponível no site do Parlamento não refere qual a posição dos sociais-democratas sobre o assunto. No entanto, podem ser retiradas algumas pistas. O partido de Luís Montenegro marcou “não por acaso” um congresso estatutário para essa data, em 2023. E, em Lisboa, a autarquia decidiu, por iniciativa própria, assinalar a data - isto apesar de ter sido aprovado um voto de condenação à ideia.
Com Carlos Moedas a argumentar que só nessa data “se completou verdadeiramente” o 25 de Abril, a câmara de Lisboa organizou uma série de iniciativas, desde uma deposição de uma coroa de flores em homenagem a dois militares que morreram nesse dia, bem como, por exemplo, uma conferência que levou o socialista Álvaro Beleza e o comentador José Miguel Júdice a discutirem o tema. Estas iniciativas, justificava a autarquia, aconteceram porque há a “obrigação ética e social de não esquecer estas datas”.
O que aconteceu neste dia?
O 25 de novembro de 1975 é o golpe militar que põe fim ao Processo Revolucionário em Curso (PREC), após o Verão Quente desse ano, onde ficaram patentes as fraturas no centro do Conselho da Revolução e do Movimento das Forças Armadas.
Maria Inácia Rezola, historiadora e comissária para a organização dos 50 Anos do 25 de Abril, explicava em entrevista ao DN publicada a 25 de novembro de 2021: “Quando se discutiu o programa económico e social, o chamado plano Melo Antunes, a assembleia do MFA e os chamados setores gonçalvistas opuseram-se-lhe. Apesar de prever nacionalizações, achavam que era um programa social-democrata, uma coisa muito mal vista à época.”
E a partir do Verão Quente, surgem então “diferentes propostas políticas, de diferentes programas políticos, que iriam definir o futuro do país”. Neste jogo, “os chamados setores gonçalvistas, ainda aliados aos chamados setores otelistas” avançam com o documento Guia da Aliança Povo-MFA, onde, entre outras medidas, haveria uma “abolição da Assembleia Constituinte e dos partidos do sistema político”.
Essa deriva leva a que o chamado Grupo dos Nove (liderado por Melo Antunes, de tendência mais moderada) apresente um documento próprio. Com isso, há várias tensões aqui e ali e, a 25 de novembro de 1975, acaba por haver uma movimentação militar e o Grupo dos Nove encarrega Ramalho Eanes de impedir uma tentativa de golpe das fações militares mais radicais, fossem gonçalvistas ou otelistas. Ou seja: foi uma cisão entre setores de esquerda.
Para Ramalho Eanes não faz sentido “estigmatizar” o 25 de novembro de 1975. Afinal, foi “a continuação do 25 de abril”, esse “esquecimento não ajuda a democracia” e “a história não se apaga”.
A historiadora Irene Flunser Pimentel, em declarações ao DN, foi na mesma linha: o 25 de novembro marcou o princípio do fim do PREC, veio “na sequência do 25 de abril e a data não deve ser esquecida”. Pelo contrário, dizia então: “Deve continuar a ser aprofundada.” Numa mesa redonda sobre a data, organizada pela comissão comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril , a historiadora afirmou ainda que a data “não foi um golpe de Estado PCP” nem uma contrarrevolução para o eliminar.
Em 2022, numa conferência sobre o 25 de abril, o politólogo António Costa Pinto, sublinhou que o golpe “foi efetivamente feito pelas forças democráticas moderadas”, e “não representa sequer uma vitória da direita radical nem uma restauração de memória mais positiva do salazarismo”. E concorda com Irene Flunser Pimentel: dizer que “o 25 de novembro foi uma tentativa do PCP para tomar o poder não é verdade”.