BOLSONARO ESTIMULOU O GOLPISMO POR TEMER FRACASSAR SOB A DEMOCRACIA E RECUOU POR MEDO DO IMPEACHMENT

25 de maio de 2019 481

demétrio magnoli
MEDO
"Aqui tem olavetes, intervencionistas, católicos e templários", explicou uma certa Elizabeth Rezende, que está entre os organizadores das manifestações deste domingo (26) mas esqueceu-se de elencar os trilobitas, os entoproctos, os braquiópodes, os caminhoneiros e os reptilianos.
 
Aqui, contudo, não tem Bolsonaro. O líder inconteste, Mito e Messias, traiu a fauna paleozoica de seus devotos. 
 
O porta-mentira oficial, general Rêgo Barros, precisou ler uma nota que qualifica os eventos comoespontâneos. De fato, a mobilização foi incitada (com c, viu, Weintraub?) pelas redes do clã presidencial, mas o capitão recuou para a retaguarda, abandonando seus soldados na trincheira enlameada.
 
Medo. A incitação e a fuga têm motivo idêntico. Mais: o medo é a melhor chave explicativa do comportamento geral do presidente da República.

Na política, o medo está sempre presente. FHC temia, mais que tudo, o retorno do monstro inflacionário. Daí, a sobrevalorização do real, seu único grave erro de política macroeconômica. 
 

Antes de surfar a onda ascendente do ciclo global, Lula temia a ruptura da estabilidade econômica herdada. Daí, o acerto decisivo na escalação da equipe econômica de seu primeiro mandato. 
 
Os medos de FHC e Lula referenciavam-se, principalmente, no interesse nacional. 

O medo de Bolsonaro, pelo contrário, referencia-se exclusivamente no interesse pessoal. Ele fomentou a mobilização de rua porque teme governar na democracia e desertou, assustado, porque teme o impeachment.

O medo é a sombra inseparável de Bolsonaro. Cabe ao psicanalista investigar a dimensão íntima de seu medo, que se manifesta na conjunção da homofobia com a obsessão pelo cano de uma arma. Já a ciência política deve iluminar seu temor de exercer o cargo de chefe de Estado.
 
Nos idos da minha infância, as crianças ainda brincavam na rua. Lembro de um garoto ruivo, provocador, geralmente ignorado pelos demais, que corria para o refúgio de sua casa quando algum de nós reagia a suas afrontas. 
 
Durante 28 anos, Bolsonaro habituou-se a praticar o esporte do insulto e da difamação, abrigando-se na barra da saia da imunidade parlamentar. A fortuita ascensão ao Planalto privou-o da redoma protetora. 
"valentão de opereta cindido entre seus dois medos"
Fora do santuário, exposto às sanções da democracia, ele experimenta o peso insuportável de sua inadequação. Estamos, todos, condenados a participar da aventura do valentão de opereta cindido entre seus dois medos.
 
Originalmente, as manifestações foram convocadas sob as bandeiras do fechamento do STF e do Congresso. "Essa pauta está mais para Maduro", esclareceu Bolsonaro, finalmente. 
 
Mas, mesmo após a operação sanitizadora, a presença do presidente nas ruas o implicaria em atentado contra as instituições, um crime de responsabilidade bem mais sério que as pedaladas fiscais dilmistas.
 
Cedendo ao medo do impeachment, Bolsonaro ganha a chance de viver mais um dia no Planalto. O problema é que essa perspectiva o aterroriza: no poder, o gesto adolescente da arminha não substitui o imperativo de entregar resultados seguindo as regras da democracia. A saída é ceder ao medo de governar, utilizando o pretexto clássico da facada nas costas. 
 
Dolchstosslegende (lenda da punhalada pelas costas): o mito nasceu na Alemanha, na esteira da derrota na 1ª Guerra Mundial, como fonte da narrativa da extrema direita. 
A lenda da punhalada pelas costas: desculpa de mau perdedor

A Alemanha, diziam, teria vencido a guerra se o Exército não houvesse sofrido a traição doméstica dos políticos de esquerda, da imprensa esquerdista e dos diabólicos judeus.

O discurso bolsonaro-olavista segue trilha paralela, invocando as facadas nas costas desferidas pelo Congresso, pelo STF e pela imprensa comunista (Folha,Globo) como justificativa antecipada do eventual fracasso do governo.
 
Desta vez, Bolsonaro recuou diante do medo do impeachment. Na próxima, movido pelo medo de governar, avançará até o abismo? (por Demétrio Magnoli)
 
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )