O PT foi como uma praga de gafanhotos devastando a esquerda brasileira. E o pior é que, quando acreditamos que seu potencial de danos se esgotou, surge sempre mais um. Parece um pesadelo que nunca termina.
Acaba de ser noticiada a existência de telegramas da embaixada brasileira em Cuba que reconstituem os trâmites entre os dois governos para a criação doMais Médicos.
Revelam que o programa foi proposto por Cuba e, após um ano de tratativas sigilosas, à última hora se decidiu triangular o negócio, para tornar desnecessário o aval do Congresso Nacional (uma exigência incontornável caso o acordo fosse fechado entre nações). Assim, ficou decidido que o Brasil faria os pagamentos à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), esta os repassaria a Cuba e Cuba remuneraria os doutores.
Os telegramas também deixam claro que o Brasil aceitou todas as exigências de Cuba e nenhuma das partes discordou de que os médicos recebessem apenas 25% do valor estipulado por seu trabalho e o governo caribenho, 75%. A única discordância foi numérica, conforme consta no despacho sobre a reunião:
"O lado brasileiro propôs a quantia de USD 4.000 (USD 3.000 para o governo cubano e USD 1.000 para o médico). A parte cubana, por sua vez, disse que contava receber USD 8.000 por médico e contrapropôs USD 6.000 (USD 5.000 para o governo cubano e USD 1.000 para o médico)".
De resto, a participação da Opas não só serviu para aplicar um passa-moleque no Congresso, como sistematizou a entrega do pagamento a outros que não aqueles que o fizeram por merecer; e ainda dificultou a abertura de eventuais processos contra o governo de Cuba por parte dos explorados, já que o vínculo deles era com a tal Opas.
Para um partido que foi fundado por remanescentes da esquerda que lutara contra a ditadura militar, religiosos seguidores da Teologia da Libertação e expoentes do novo sindicalismo surgido no ABC paulista, constatam-se quatro quebras de princípios indesculpáveis, inadmissíveis e vergonhosas:
Para um partido que foi fundado por remanescentes da esquerda que lutara contra a ditadura militar, religiosos seguidores da Teologia da Libertação e expoentes do novo sindicalismo surgido no ABC paulista, constatam-se quatro quebras de princípios indesculpáveis, inadmissíveis e vergonhosas:
— como puderam os opositores históricos do capitalismo conceber um programa tão característico da exploração do homem pelo homem?
— como puderam conceder de mão beijada aos inimigos de classe o trunfo de poderem trombetear aos quatro ventos que esquerdistas consideram justo os trabalhadores receberem apenas um quarto do fruto de seus esforços?
A presidente parece ter esquecido os valores da militante |
— como pôde o governo de uma ex-presa política aceitar a imposição cubana de que se tomassem providências para evitar a repetição do que ocorrera quando FHC era presidente e, finda uma parceria semelhante (só que em menor escala),cerca de 400 profissionais cubanos optaram por permanecer no Brasil?
— como puderam os que rejeitam taxativamente os esquemas de terceirização, denunciando-os como responsáveis pela precarização dos direitos trabalhistas, consentir em que trabalhadores sejam privados até mesmo da oportunidade de processar os verdadeiros patrões?
É de pasmar que Dilma Rousseff e seus aspones, além de baterem o martelo para todas estas aberrações, não hajam sequer se dado conta do efeito devastador que elas teriam quando dadas a público, pois o embargo por sigilo era de apenas cinco anos!
Resumo da ópera: graças aos esqueletos existentes nos armários dos governos petistas, Jair Bolsonaro vai sair das cordas e contra-atacar, atenuando o impacto da constatação de sua indiferença face aos infortúnios dos brasileiros mais pobres e vulneráveis.
Temos de empurrar de novo a pedra para o topo |
E o episódio serve como alerta: se eram esses os parâmetros dos negócios firmados pelas administrações do PT, é de esperar-se que o governo Bolsonaro, passando um pente-fino nos arquivos, inunde o noticiário com revelações chocantes nas primeiras semanas após a posse.
A opção que resta para a esquerda brasileira é deixar-se destruir por tal ofensiva pra lá de previsível ou, de uma vez por todas:
— posicionar-se face aos muitos e enormes desvios cometidos pelo PT com relação aos valores em nome dos quais foi constituído em 1980;
— avaliar as responsabilidades pessoais dos dirigentes que tomaram decisões inaceitáveis ou se omitiram quando elas eram tomadas;
— definir novas linhas-mestras de atuação, depois que as anteriores foram incapazes de evitar desastres como o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de um presidente de extrema-direita; e
— dissolver os partidos que tenham definitivamente se desqualificado para continuar representando os ideais de justiça social e liberdade, concentrando os quadros idôneos nas siglas que não se emascularam em meio à embriaguez do poder, bem como naquelas que deverão ser criadas sob novas perspectivas políticas e diferentes padrões morais.
Deveríamos ter feito a lição de casa a partir da extinção definitiva do mandato de Dilma, em 31 de agosto de 2016. Agora, desperdiçados mais de 26 meses, só nos restam 40 dias.
Depois começará o dilúvio.
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(por Celso Lungaretti)