ANOS 60 E A CONTESTAÇÃO AO CAPITALISMO. É PRECISO RETOMAR A ENERGIA REVOLUCIONÁRIA DAQUELE PERÍODO!

5 de abril de 2023 216

 Em que pese no Brasil termos vivido o início das duas décadas de regime militar opressivo das liberdades individuais, da tentativa de conservação da caretice nos costumes por este mesmo regime, da mentira do falso milagre econômico brasileiro - financiado por uma dívida que nos custa caro, até hoje -, e das torturas, mortes e perseguições políticas, a lufada dos ventos libertadores dos anos 60 também chegaram ao nosso país pelas mãos da rebeldia juvenil.   

 

No mundo ocidental capitalista os jovens passaram a dizer NÃO! ao conservadorismo retrógrado nos costumes, bem como se posicionando contra os males da lógica capitalista sob diferentes formas: negando o modo de se vestir empolado, adotando o charmoso desleixo nos cabelos compridos, negando a sociedade de consumo sufocante, posicionando-se contra as guerras, principalmente a guerra do Vietnã e defendendo a consigna  faça amor, não faça a guerra!  

O surgimento da pílula anticoncepcional no início dos anos 60, nos Estados Unidos, rapidamente disseminada pelo mundo, representou substancial transformação nas relações sexuais, posto que os jovens namorados, e adultos também, passaram à prática do sexo livre sem maiores constrangimentos, e podemos ter uma ideia do que isto significou.  

Na música, que se tornou uma arma demolidora contra o establishment, vieram as bandeiras melódicas da rebeldia. Da Inglaterra vieram os Beatles, com suas músicas inicialmente adocicadas para explodir na visão psicodélica de mundo posteriormente, e os Rolling Stones, desde o começo mostrando a sua visceral performance de bad boys do blues e do rock’n’roll inconformista. 

Dos Estados Unidos, a irreverência calma e ferina de Bob Dylan e a visão colorida de mundo dos The Mamas & the Papas e dos Beach Boys

No Brasil, era a época da jovem guarda de Roberto Carlos e seu séquito de um lado, com o mesmo viés inicial dos Beatles, e do outro lado a música engajada de Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Sérgio Ricardo, Edu Lobo, Elis Regina, além do anarquismo implícito do tropicalismo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Tom Zé, nas belíssimas vozes de gente como Gal Costa e Maria Betânia. 

Pari passu, veio também a explosão mundial da bossa nova como reconhecimento internacional da qualidade musical brasileira, chegando a competir com a beatlemania nas paradas de sucesso estadunidenses. João Gilberto e Astrud Gilberto, Nara Leão, Tom Jobim, Vinicius de Morais e tantos outros passaram a ser figurinhas carimbadas, de New York ao Japão.   

Iniciou-se um novo estilo de mobilização e contestações sociais utilizando os novos e ágeis meios de comunicação via satélite que se denominou como movimento da contracultura, cuja essência era o combate a conceitos conservadores havidos até então. Uma revolução cultural.  

Por aqui, levantaram-se as vozes contra o regime militar que anunciara a redemocratização após o golpe militar de 1964, mas os militares gostaram tanto do poder que nele permaneceram por sombrios 21 anos, até caírem de podre. 

Mas, embalado pelo sopro dos ventos libertários mundiais, jovens brasileiros iguais a Celso Lungaretti e tantos outros empunharam a bandeira da liberdade, mesmo com as mortes assassinas por policiais militares que vitimaram o jovem estudante Edson Luís de Lima Souto, em março de 1968, numa manifestação pacífica no Calabouço, restaurante estudantil carioca. 

Foi o gatilho da revolta estudantil represada. 

As intensas manifestações que se seguiram e que vinham contra a intenção de manutenção do regime militar, tiveram o seu ápice em 1968, quando a linha dura dos ferrabrases da ditadura resolverem promulgar o Ato Institucional nº 05 - AI5 - em 13 de dezembro daquele mesmo ano, quando, simplesmente, os militares tiraram o resto de sua máscara de caráter democrático-burguesa, fecharam o Congresso, manietaram o poder judiciário e passaram a governar o Brasil segundo os seus critérios pretensamente iluminados e perversos do ódio que promovem perseguições e mortes arbitrárias.  

Um mero soldado do regime passaria a ter salvo conduto para matar quem fosse por ele julgado como subversivo. Dirigentes de estatais demitiam funcionários de carreira que manifestassem desapreço ao regime miliar, grandes empresas contratavam generais de pijama como diretores para facilitar seus interesses diante de licitações e relações de  negócios com o governo militar, o gerenciamento por militares de empresas públicas ou autarquias federais era reserva de mercado dos novos governantes e seus lacaios, o judiciário era temoroso de qualquer sentença que contrariasse a vontade militar encastelada no poder central e por aí vai...   

Nos Estados Unidos um pastor negro chamado Martin Luther King promoveu uma epopeia pelos direitos civis dos negros estadunidenses e plantou a semente da igualdade racial expressa hoje no movimento black lives matter, estando o sangue do seu assassinato ainda hoje a irrigar a lucidez das mentes libertárias dos seres humanos que acreditam na solidariedade entre todos nós.   

Na Europa, os ventos da liberdade sopravam numa região que ainda se restabelecia dos traumas e destruições da segunda guerra mundial. Na França - sempre ela - eclodia o lendário maio de 1968 levado por jovens universitários que contou com grande parcela do operariado francês desatrelado do movimento sindical pelego

Pela primeira vez surgiu um movimento de esquerda que criticava tanto o socialismo real, como a democracia burguesa, e tudo a partir de uma visão de mundo sem as amarras do Estado e das doutrinas estatizantes de extração de mais valia pelas empresas da nomenclatura stalinista.  

Frases como não trabalhe jamais, numa alusão ao trabalho abstrato produtor de valor e artífice do capital. Sejamos realistas, queiramos o impossível, referência jocosa à irracionalidade capitalista. É proibido proibir como contraponto à censura castradora da liberdade de opinião. E finalmente, a imaginação no poder  numa clara alusão à obtusidade do poder vertical obediente às ordens do capital, eram escritas nos muros de Paris e conduzidas em cartazes nas passeatas e paralisações que por um período longo de dias sacudiram o país, assustando o Presidente General Charles de Gaulle e sindicalistas, os quais ficaram tomados de surpresa por um movimento que simplesmente reivindicava a vida. 

 Surgiu na esteira do sonho libertário dos anos 60 o movimento hippie, que consistia numa mudança radical de comportamento e costumes e pregava a paz - peace and love era um dos dísticos mais usados - além de contestar a sociedade de consumo capitalista e fazer a defesa da natureza, tendo sido os precursores da luta de preservação ecológica, que teve a sua celebração máxima no festival denominado Woodstock Music and Art Fair, realizado no interior do Estado de New York, com a presença de milhares de jovens vindos dos mais longínquos recantos dos Estados Unidos e até de outros países.   

Mas, de repente, como disse John Lennon, o sonho acabou! 

Vieram os anos setenta e muitos hippies pouco convictos vestiram ternos e se transforam em yuppies bem-comportados e obedientes servos da ordem capitalista, na qual procuraram subir na hierarquia das suas carreiras profissionais.  

As gerações que se sucederam aos anos 60 foram afetadas pelo conservadorismo oportunista e opressor que catapultou o surgimento de fenômenos hoje tão comuns como violência urbana desmedida, consumo e tráfico de drogas por organizações criminosas, desemprego estrutural e queda vertiginosa do poder aquisitivo da classe média formadora de opinião, que ao invés de pugnar por uma sociedade diferente desta atual, prefere o retrocesso tão bem expresso no numeroso segmento anticivilizatório que ora se manifesta publicamente no Brasil e no mundo.  

Nunca foi tão necessário retornarmos  às bandeiras dos anos 60, agora mais conscientes da importância do conteúdo conceitual daquilo que os jovens daqueles anos defenderam, e com a sabedoria de quem experimentou um pedacinho do Céu, e pretende retomá-lo.  

Nosso companheiro Celso Lungaretti e seus companheiros estudantes, aos 18 anos ou pouco mais, ofereceram a sua vida em sacrifício da luta pela liberdade e ele, como eu - que não tive a mesma honrosa experiência sua -, vivemos por breve tempo no paraíso, antes de descermos ao inferno da ditadura militar.  

Mas estamos aqui como combatentes septuagenários, os quais sobreviveram para contar a história e a verdade, tal como feito por Celso neste sábado, 01 de abril, para um grupo de jovens que têm o mesmo espírito imorredouro da liberdade. (por Dalton Rosado

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Fonte: CELSO LUNGARETTI
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )