Se compararmos a actual taxa de letalidade de Portugal com outros países da Europa, o seu valor é baixo. Mas ainda há muito a saber sobre a taxa que nos mostra a gravidade da doença.
A covid-19 já fez mais de 1000 mortes em Portugal e a taxa de letalidade no país situa-se agora nos 4%. Mas será este o seu valor real? Esta é ainda uma questão em aberto. Para calcular a taxa de letalidade dos casos de covid-19 é necessário ter o número de pessoas infectadas com a doença e o de óbitos. Estes valores ainda são incertos, o que ainda torna esta taxa uma incerteza. Segundo alguns especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, a taxa de letalidade em Portugal até estará sobrestimada, o que significa que será mais baixa do que nos cálculos actuais.
Para sabermos do que estamos a falar, Ruy Ribeiro (director do Laboratório de Biomatemática da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa) diz que normalmente há três tipos de mortalidade referidos nas estatísticas e literatura internacional. Há a “letalidade dos casos”, que é a percentagem de óbitos de todos os casos confirmados como positivos de uma doença, nomeadamente das pessoas que fizeram testes e o resultado foi positivo. Há a “letalidade da infecção”, que é a percentagem de óbitos de todos os infectados – isto inclui não só os casos confirmados, mas também a estimativa dos infectados que não foram detectados. Ainda não é possível determinar esta última taxa de letalidade, porque a estimativa dos infectados não diagnosticados ainda terá muita incerteza associada. Por fim, há ainda a mortalidade, que é o número de óbitos por total da população.
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Se quisermos ter uma ideia da gravidade da covid-19 neste momento, usamos então a taxa de letalidade dos casos. Neste quociente, o numerador é composto pelo número de pessoas que morreu devido à doença e no denominador a quantidade de pessoas que contraiu a doença. Até esta sexta-feira, havia 25.351 casos positivos em Portugal, 1007 mortes e a taxa de letalidade dos casos era de 4% (14,2% nas pessoas com mais de 70 anos), de acordo com os últimos dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS).
O denominador e o numerador
“Tanto o numerador como o denominador têm vários problemas”, indica Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Quanto ao numerador, é preciso decidir se se inclui aí quem morreu por covid-19 (pessoas que contraíram a doença e, se isso não tivesse acontecido, poderiam não ter morrido) ou quem morreu com a doença (pessoas que podem ter covid-19, mas não quer dizer que isso lhes tenha causado a morte). Portugal está a pôr no numerador quem morre tanto com covid-19 como por covid-19. Mas, mesmo incluindo no numerador pessoas que morram com e por covid-19, este valor deverá ser mesmo assim mais elevado. “Este numerador está subestimado, ou seja, os números são um bocadinho mais pequenos do que aquilo que deviam ser”, refere o epidemiologista. Isto porque haverá pessoas que estão hospitalizadas com covid-19 e ainda poderão vir a morrer. E há ainda outras que morreram em casa e estavam infectadas, mas não foram testadas porque não tinham sintomas.
O denominador também terá problemas. Como a covid-19 causa muitas infecções e muitas pessoas poderão não ter sintomas ou ter sintomas moderados, o número de infectados poderá ser maior do que aquele que se conhece. Portanto, o denominador também estará subestimado. Devido a estas razões, sem sabermos ainda as duas partes do problema, é difícil saber qual a taxa real da letalidade neste momento, não podendo dizer-se agora nem que é mais alta nem que é mais baixa. “Em qualquer sítio do mundo, só quando a epidemia acaba é que se sabe com rigor o que se passou”, frisa Manuel Carmo Gomes.
Já Ruy Ribeiro considera que esta taxa de letalidade dos casos estará “sobrestimada, não sabemos é em quanto”. O biomatemático refere que, se ficasse nos 4%, seria uma taxa “elevada” e “não será real”. “Provavelmente, a taxa de letalidade será menor porque haverá mais casos e, potencialmente, muit