A INFORMALIDADE DÁ FÔLEGO PARA A SOCIEDADE DO CAPITAL SOBREVIVER/1
A INFORMALIDADE DÁ FÔLEGO PARA A SOCIEDADE DO CAPITAL SOBREVIVER/1
dalton rosado
Série AS DETURPAÇÕES CONCEITUAIS E SEMÂNTICAS / parte c
Há uma intencional positivação maldosa de conceitos que são intrinsicamente negativos quando vinculados a um modo de relação social consentâneo com a negatividade escravista sob a qual vivemos.
Diz-se, comumente, que no capitalismo temos a liberdade de escolha; incute-se nas mentes dos indivíduos sociais transformados em cidadãos a ideia de que todos podem ficar ricos. Trata-se, conforme a denominei, de uma síndrome do cassino: todos jogam, a maioria perde, alguns sortudos momentâneos ganham uma parte do butim que é sempre carreado para o dono do estabelecimento, o banqueiro do jogo.
Trata-se, portanto, de um fetiche personalíssimo, com o anseio de ficar rico obnubilando a consciência da exploração da qual o jogador é vítima.
Outro dia, quando eu fazia num trajeto longo num veículo de aplicativo, o motorista pediu minha opinião sobre esse tipo de transporte. Respondi que achava uma opção bem mais barata e cômoda do que ter um veículo próprio.
"É graças ao aplicativo que eu estou me virando" – disse o motorista. "Fui demitido do meu emprego e comprei este meu veículo financiado. Tiro dele meu sustento e pago a prestação do financiamento."
Perguntei-lhe qual o ramo de atividade em que ele trabalhava antes.
"Eu trabalhava no controle de qualidade de uma fábrica, ganhando cerca de R$ 2.500 ao mês, com carteira assinada. Agora consigo tirar cerca de R$ 3.000 e pagar as prestações do financiamento.
Quando eu me livrar de todas, daqui a 60 meses, pretendo comprar mais dois veículos: um eu dirijo, o outro vou alugar a um colega para melhorar a minha renda mensal. Para isso eu trabalho de 11 a 12 horas diárias. Rodo cerca de 230 km por dia" – detalhou o motorista de 35 anos.
Esta narrativa dá uma boa noção da atual crise do desemprego estrutural, um retrato de como a sociedade do capital, em sua faina para criar alternativas de sobrevivência e continuidade dos seus postulados, recorre à informalidade, estimulando o sonho de riqueza e prosperidade dos seus cidadãos escravizados.
No Brasil, a atividade industrial decresceu de forma acentuada nos últimos anos, tanto com Dilma como com o presidente temerário e com Boçalnaro, o ignaro.
O PIB do Brasil caiu 22,5% de 2013 para cá. Vale lembrar que a atividade industrial e o agronegócio são as únicas atividades que produzem valor novo, aquele que sinaliza para a emissão de moeda com lastro. O fato de ambos estarem em queda diz muito sobre a volta da inflação e o colapso capitalista mundial (e local).
O segmento de serviços (maior fatia do PIB em qualquer país economicamente mais desenvolvido) apenas transfere valor já existente, e como o Estado é forçado a emitir moeda sem valor, a inflação mundial (e local, principalmente) está em alta.
Regra: maioria dos apostadores ter prejuízo nos cassinos.
Uma exceção: celebridades com função propagandística.
Na crise terminal do capitalismo, a breve história que contei traduz bem a negatividade da síndrome do cassino, ou seja, o desejo (geralmente irrealizável) do oprimido de se tornar ele também um detentor do capital e poder explorar alguém que não disponha do dito cujo.
Continuemos refletindo sobre o caso do motorista de aplicativo:
— o banco que financiou o veículo cobra juros do financiamento;
— a indústria que o produziu obtém seu lucro na venda do veículo;
— o comerciante que intermediou a venda para o consumidor final fica com a diferença entre seus custos e o valor auferido;
— o circuito de produção e comercialização do combustível fóssil (poluente) consumido nos 230 km percorridos diariamente também recebe seu quinhão;
— a indústria e o comércio de peças, idem; e
— o Estado cobra impostos de todos os elos dessa cadeia.
O ex-industriário, agora transformado em motorista de aplicativo com pretensões de se tornar capitalista, trabalha como um escravo, pensando ser patrão de si mesmo como autônomo, sem qualquer garantia trabalhista e correndo riscos de acidentar-se na jornada de trabalho e/ou de não poder pagar as prestações e perder tudo que já havia desembolsado, por força da draconiana lei da alienação fiduciária.
E isto sem falar no alto risco de assaltos, tão frequentes no cotidiano destes profissionais; e que, após anos de trabalho exaustivo, poucos chegam ao fim da linha saudáveis e donos de sua própria frota de veículos.
Então, a síndrome do cassino não passa de um fetiche escravizador que oportuniza, a um em cada mil, a possibilidade de furar o bloqueio das classes sociais que a mercantilização da vida lhe impôs, passando de oprimido em opressor. (por Dalton Rosado).
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AS DETURPAÇÕES CONCEITUAIS E SEMÂNTICAS:
— Interesses inconfessados determinam a abordagem dada aos conceitos/1
— Interesses inconfessados determinam a abordagem dada aos conceitos/2
Postado por celsolungaretti
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