A CURIOSA SOCIOLOGIA DOS NOMES PRÓPRIOS

20 de janeiro de 2019 441

 

Segundo matéria divulgada pelo Jornal de Piracicaba, no último dia 30/12, no ano de 2018 os nomes mais frequentes usados nos registros de nascimento em todo o Estado de São Paulo foram Miguel, com 4718 registros, Arthur, com 4312, e Maria Eduarda, com 3779.

Concretamente em Piracicaba, em ordem decrescente, os nomes masculinos mais adotados foram: Miguel (73), Arthur (58), Gabriel (43), Heitor (42), Davi (40), Theo (35), Pedro (31), Lorenzo (28), Henrique (26) e Matheus (24); para o sexo feminino, os nomes mais usados foram: Helena (72), Alice (60), Laura (39), Valentina (35), Lívia (34), Sophia (32), Maria Clara (32), Lorena (32), Manuela (27) e Antonella (26).

A utilização de nomes compostos por dois elementos continua sendo muito comum. No Brasil inteiro, 28,3% dos registros (quase um terço) preferiram essa modalidade tradicional de dar nome aos filhos. Ainda no Brasil inteiro, registraram-se 3.027 variações para Maria, 2320 para Pedro, 1564 para Ana, 1488 para Enzo e 1260 para João.

Parece, a julgar por essas amostras, que de um modo geral voltaram a estar na moda nomes tradicionais luso-brasileiros, como também os bíblicos e os provenientes do classicismo greco-romano, com minoritária, mas significativa preferência por nomes italianos (Lorenzo, Antonella, Enzo) e uma também curiosa atração pelas belezas da ortografia etimológica clássica (Arthur, Theo, Sophia), em detrimento da  ortografia fonética oficializada para esses nomes.

Notei falta de Antônios e Antônias, Josés e Josefas (ou Josefinas), Luíses e Luísas, Carlos e Carlas (ou Carolinas), Paulos e Paulas, e tantos outros nomes... Os Rodrigos, de sonoridade medieval, que Érico Veríssimo relançou e que durante décadas estiveram no topo das preferências, igualmente parecem estar esquecidos. Armandos... sempre foram e continuarão sendo raros, muito raros... Em toda a minha vida, que me lembre não topei com mais do que seis ou sete xarás. A forma feminina Armanda, nunca a vi usada no Brasil ou em Portugal, talvez pelo fato de uma comédia de Molière ter ridicularizado para todo o sempre Armande, uma das pretensiosas “femmes savantes”, pedante e inimiga feroz do casamento. Curiosamente, também se chamava Armande e foi grande atriz a segunda esposa do próprio Molière...

Parecem estar em baixa, felizmente, nomes estrambóticos, como o de um famoso político que se chamava Onaireves (Severiano ao contrário), ou nomes claramente decorrentes de erros devidos a falta de cultura (Dêivide, Oílsson, Máiquel, Níquisson, Uóxington, Daiana, Lêidi etc.)

Do ponto de vista sociológico, reveste-se de grande interesse o estudo das preferências em matéria de onomástica. Em 1959, Gilberto Freyre publicou “Ordem e Progresso”, livro em que estuda a permanência do modelo patriarcal e agrário nas primeiras décadas do século XX, num Brasil que se tornava cada vez mais urbano e industrializado. O curioso da obra é a documentação primária que seu autor utilizou. Por volta de 1930, Freyre tinha mandado uma circular a perto de 1000 brasileiros nascidos entre 1850 e 1900, de todas as classes e condições (desde grandes políticos, intelectuais e fazendeiros, até pessoas pobres e modestas), fazendo uma série de perguntas sobre as duas ou três primeiras décadas que se sucederam à proclamação da república. Eram perguntas muito diversificadas, sobre ideologia, economia, política, costumes, religiosidade, costumes, sexualidade, visão dos problemas internacionais e nacionais, dicotomia monarquiaXrepública, visão de grandes homens (D. Pedro II, Santos-Dumont, Ruy Barbosa) etc. etc.

Freyre recebeu 183 respostas. Algumas eram sucintas e pontuais. Outras eram mais extensas, e algumas extensíssimas, pois seus autores, levados pelo dinamismo das recordações passadas por escrito, produziram verdadeiros livros de memórias extremamente ricos e interessantes.

Freyre guardou essa documentação preciosa durante quase três décadas, propositadamente, de modo que somente a utilizou em público quando a imensa maioria dos depoentes já havia falecido.

Gostaria de destacar, dessa obra, algo que é muito interessante do ponto de vista cultural: a escolha dos nomes para os filhos. Numerosas influências e não poucos modismos interferem nessa escolha tão importante e fundamental. Passo a transcrever o próprio Gilberto Freyre, a falar do “brasileiro médio” ou “brasileiro-síntese” do tempo focalizado em sua pesquisa:

"Era um ser que nascia em casa; e quase sempre sem que a mãe recebesse, ao pari-lo no lar patriarcal, outro socorro senão o da parteira ou o da 'curiosa', que se tornava comadre do casal. Já não estava muito em moda dar ao brasileirinho nome pomposamente clássico - Ulisses, Homero, Cícero, Horácio, Sólon, Aristóteles - mas romântico, de herói de novela ou mesmo de romancista ou de poeta atual ou exótico: Ceci, Peri, Graziela, Eurico, Milton, Victor Hugo, Paulo, Virgínia, Romeu, Julieta, Elvira, Evangelista, Edgar, Alfredo, Lamartine; ou, ainda, político ou cívico: Pedro de Alcântara, Garibaldi, Danton, Francisca, Washington, Lincoln, Franklin, Jefferson, Gladstone, Teresa Cristina, Isabel, Amélia, Gastão, Deodoro, Benjamin Constant, Ruy; ou piedoso, tomado a novas santas ou inspirado em nova devoções: Teresa, Luís Gonzaga, Vicente de Paulo, Maria de Lourdes, Maria do Carmo, Maria da Penha, Inocêncio, Pio. Havia, porém, rebeldes a essas convenções: pais talvez nietzschianos que davam aos filhos nomes rebarbativos: Nero, Napoleão, Júlio César, Átila. Um desses nietzschianos deu, no começo do século XX, a um dos filhos o nome de Lutero. Protestantes começaram a dar aos filhos nomes bíblicos ou de reformadores: inclusive Calvino. Os Positivistas, estes se esmeraram em dar aos filhos nomes inspirados na história 'científica' da Humanidade ou particular, da sua seita: Clotilde, Galileu, Paulo, Augusto, Newton" (op. cit., 3a. ed., José Olympio, Rio, 1974, 1º tomo, p. CLIV-CLV).

Recomendo vivamente a leitura dessa obra clássica, indispensável para a compreensão da evolução histórica do Brasil. Como recomendo também outra obra de grande importância, que é o “Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes”, do filólogo paranaense Rosário Farâni Mansur Guérios (5ª. ed., Artpress, São Paulo, 2004). É um trabalho único no seu gênero, profundíssimo e bem documentado, precedido de um pequeno ensaio sobre Onomástica, realmente notável.

 

 

 

 

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS   -   Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Portuguesa da História e da Academia Piracicabana de Letras.